A dimensão ético-comportamental de agir de acordo com a lei do Senhor está presente também na literatura bíblica sapiencial, especialmente quando nos educa a dizer a verdade.
O sábio se assemelha ao justo. Ao optar e aderir ao bem, na prática da lei e da justiça, foge da maledicência e evita o disse-me-disse e a tagarelice. As atitudes de falar mal da vida alheia envenenam os ambientes sociais, destroem laços afetivos, corrompem sociedades e instituições. Ferem o direito à honra do outro.
No interior da fofoca, há sempre a mentira ou meias- verdades, inveja ou ciúme. Portanto, a língua serpentina ou venenosa, aquela que difama, intriga e divide, tem parentesco com as ações do diabo, a respeito do qual disse Jesus: “nele não há verdade; quando mente, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8 44).
Há vários provérbios bíblicos sobre a matéria. Destacamos alguns do Livro dos Provérbios: “Quem anda tagarelando revela o segredo/ é um espírito seguro o que retém o assunto” (11, 13); “A língua suave é árvore da vida/ a língua perversa quebra o coração” (15,4); “O mau fica atento aos lábios perniciosos/ o mentiroso dá ouvidos à língua perversa” (17,4); “A língua mentirosa odeia os que ela fere/ e a boca fluente provoca a ruína” (26,28). Provérbios só apresenta o fenômeno corriqueiro, ainda que com certo juízo de valor.
Quanto ao Eclesiástico, este é mais exortativo. Suas recomendações são bastante úteis: “Não repitas jamais um boato ”; “não contes nada a teu amigo nem a teu inimigo e, se não incorres em culpa, nada reveles, pois, o que ouviu não confiará mais em ti”; ouviste alguma coisa? Sê um túmulo” (19, 7-10).
Curioso é que existe um salmo contra as más línguas. Pede socorro a Deus. Expõe ao Senhor a mentira generalizada: “A lealdade desaparece… cada qual mente ao seu próximo, falando com lábios fluentes e duplo coração” (12 (13)), 2. Dá a entender que, diante das intrigas disseminadas, há de se valer do recurso da oração ao Deus justo e verdadeiro. O homem e a mulher de fé permanecerão seguros e amparados pelo recurso à oração confiante.
Em tempos atuais de crise nacional, não se sabe o que é fato e o que é versão. Perde-se a objetividade. Muitos se abastecem deste clima de incerteza generalizado com notícias falsas ou duvidosas. Ocorrem conflitos de interpretação sobre fatos, versões e declarações e a respeito da vida de pessoas públicas do mundo político, jurídico e artístico. Muitas vezes, espalham-se pela Internet ou WhatsApp opiniões errôneas, juízos temerários, falsidades, intrigas, leviandades. Tornam-se veículos de instabilidade.
A propósito, o Eclesiástico indaga: “Quem nunca pecou contra a língua? ” (19, 17(16)). Responde: “Feliz quem não pecou com a sua boca” (14, 1); “É melhor escorregar no chão do que na língua” (20, 20 (21)). São Tiago ao escrever sobre a intemperança da linguagem, tinha presente tanto os textos do Eclesiástico quanto os de Provérbios. Então, conclui com fecho de ouro: “Aquele que não peca no falar é realmente um homem perfeito, capaz de refrear todo seu corpo” (3,2).
Claro que tais expressões, referentes à língua ou à linguagem, incluem a mente que pensa e fantasia, julga e sentencia, muitas vezes, apressadamente, sem discernimento e retidão. O problema é o que nos move a falar. Por isso, Jesus, com sua sabedoria de Mestre, amplia nossos critérios, quando diz: “Raça de víboras, como podeis falar coisas boas, se sois maus? Porque a boca fala daquilo que o coração está cheio. O homem bom, do seu bom tesouro tira coisas boas, mas o homem mau, do seu mau tesouro tira coisas más. Eu vos digo que de toda palavra inútil, que os homens disserem, darão contas no Dia do Julgamento. Pois por tuas palavras serás justificado e por tuas palavras serás condenado” (Mt 12, 34-37).
Bom método para não julgarmos ninguém e não espalharmos o que ouvimos ou pensamos mal sobre a vida alheia é o de contemplar Jesus, caluniado e mal interpretado até a morte de cruz. De preferência, tiremos “de nosso bom tesouro coisas boas” conforme o modo de dizer do Mestre.