A oração-coleta da missa do Primeiro Domingo da Quaresma indica a riqueza espiritual a ser sempre redescoberta: “progredir no conhecimento de Jesus Cristo” e “corresponder ao seu amor por uma vida santa”.
Ambas as súplicas se referem ao processo que dura à vida inteira, a partir do batismo.
A propósito, aos efésios, afirmara Paulo: “tereis condições para compreender com todos os santos qual é a largura e o comprimento e a altura e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo que excede todo o conhecimento para que sejais plenificados com a plenitude de Deus” (Ef 3, 18-19). Portanto, a fonte cristã da compreensão é inesgotável; é sem limites.
Conhecimento e amor se completam e são fruto da oração, pois, são dons da benevolência divina. Por isso, o apóstolo dobra os joelhos diante do Pai para que conceda aos efésios, pelo poder do Espírito, conhecimento e amor (Ef 3,14). Dobrar os joelhos é mais do que uma força de expressão. Traduz a necessidade da súplica, humilde e insistente, a afim de que a revelação do mistério oculto seja acolhida.
Também nossas comunidades podem ser introduzidas em práticas ou em exercícios espirituais que favoreçam o que Paulo suplicou ajoelhado, até porque a Quaresma equivale a um retiro de 40 dias. Entretanto, já não faz parte da existência coletiva. Torna-se cada vez mais difícil vive-la a não ser por opção pessoal. Mesmo a comunidade de fé ou praticante se envolve na dissipação, deixando-se dispersar diante dos atrativos da distração.
A oração-coleta do Segundo Domingo da Quaresma, em alusão ao evangelho da Transfiguração do Senhor, suplica ao Pai: “alimentai nosso espírito com a vossa Palavra, para que, purificado o olhar de nossa fé, nos alegremos com a visão da vossa glória”.
A palavra do Pai é transmitida pelo Filho: Escutai-o! (Mt 17,5). A glória luminosa na “alta montanha” é o mistério da divindade, simultaneamente visível e invisível na humanidade do Cristo. No monte Calvário, é a mesma glória, ainda que ocultada pela carne desfigurada do Crucificado. No entanto, é manifestada, pois disse: “quando tiverdes elevado o Filho do Homem, então sabereis que EU SOU” (Jo 8, 28). Em ambas as percepções, a do corpo transfigurado e a do desfigurado, supõe a purificação do olhar na fé. Aliás, não são os puros de coração que verão a Deus? Consequentemente, a Quaresma ainda pode ser um exercício de purificação do olhar para conhecer e amar desde este mundo o Cristo de Deus.
Existe sempre a possibilidade do divórcio entre fé e vida. Daí a oportunidade quaresmal do anúncio da mensagem com o apelo à conversão. Não é voltar-se para si, numa espécie de idolatria do próprio eu. É voltar-se para Deus, através do evangelho vivido. Na prática, corresponde ao seguimento, ao discipulado, à adesão ao Evangelho pleno.
A propósito, há uma frase do Mestre sempre desafiadora e especialmente para nossos dias: “pelo crescimento da iniquidade, o amor de muitos esfriará” (Mt 24, 12). Diante da afirmação, não se sabe o que é pior: o crescimento do mal ou o aumento da frieza no amor. O certo é que quando cresce a maldade, o amor talvez não desapareça, mas se esfria e pode congelar-se. Não será esta a situação de tantos católicos indiferentes? Possa a Quaresma nos servir tanto de antídoto quanto de remédio. Para isto é preciso vive-la.