No dia 13 de outubro de 1917, deu-se a última aparição de Nossa Senhora do Rosário, em Fátima. Os festejos do centenário concluíram-se. A propósito, disse Bento 16, em 13 de maio de 2010: “Eu vim como peregrino a Fátima, a esta “casa” que Maria escolheu para nos falar nos tempos modernos”. Os tempos se referem ao século 20 e seu progresso científico e tecnológico, aos conflitos geopolíticos, às ideologias totalitárias e em oposição, ao subdesenvolvimento ligado à exploração, à fome e à miséria, à perseguição à Igreja por regimes ditadores ou totalitários, ao extermínio de armênios e de judeus.
Maria falou de guerra e de paz. Contextualizada. De fato, em 1917, ainda fervia a Primeira Guerra Mundial, qualificada por Bento 15 como “inútil tragédia” cujo Tratado de Paz só foi assinado, em 1919, pelas potências beligerantes. No mesmo ano de 1917, explodiria a revolução comunista na Rússia. Com a ascensão de Hitler, a partir de 1919 e a implantação do nazismo na Alemanha, a Segunda Guerra Mundial, iniciada em 1939, desestabilizaria a Europa e os demais Continentes.
Em 1917, inclusive a Igreja em Portugal sofria bastante incômodo nas mãos de republicanos. Observa-se na forma policiesca e intimidadora com que os três pastorzinhos foram interrogados pelas autoridades e na suspeita que elas levantavam quanto ao presumido charlatanismo clerical. Má vontade com a Igreja, além de evidente, expunha a indevida e injusta intromissão.
Maria também falou de inferno, purgatório e céu. Bíblica. Com efeito, as Escrituras dizem de castigo e de prêmio, de condenação e de salvação. Ela utilizou palavras e imagens simbólicas, compreensíveis aos interlocutores, servindo-se de pedagogia de ensino, muito criticada no pós-guerra e na educação contemporânea e, até evitada na catequese, por estimular o medo. Nada que não se possa abrandar.
Maria falou de conversão, de penitência e insistiu na oração do rosário e dirigiu-se ao Papa. Católica. De fato, a pregação católica, centralizada na pessoa do Papa, repetia que o Senhor estava muito ofendido e insistia nas orações e nos sacrifícios para a conversão dos pecadores. Promovia a confissão sacramental, a comunhão eucarística e a devoção ao Imaculado Coração. Logo, Maria só incluíra como novidade a devoção aos primeiros sábados e à prática da reparação ao seu próprio Coração.
O Papa Pio 12 aceitou a Mensagem de Fátima. Acolheu o pedido da Senhora, consagrando o mundo, sem nomear a Rússia, ao Imaculado Coração de Maria e na intenção da paz universal. Assim, atendeu à solicitação, porém, nos moldes possíveis. A consagração da Igreja e do gênero humano se deu em 1942, no 25 aniversário das Aparições, ainda diante do avanço preocupante do exército hitleriano. Implorou: “paz na verdade, na justiça e na caridade de Cristo”. Suplicou igualmente a “liberdade completa para a Santa Igreja de Deus” e a contenção do “dilúvio transbordante da imoralidade”.
São João Paulo 2 cuja Polônia sofrera com o nazismo e sofria ainda com o comunismo, tirou a frase de seu lema do Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem de São Luís Maria de Montfort: “Sou todo teu e tudo o que possuo é teu. Tomo-te como toda a minha riqueza. Dá-me teu coração, ó Maria”. No dia 13 de maio de 1981, sofreu o atentado na Praça de São Pedro. Ao sobreviver, atribuiu à proteção da Virgem de Fátima: “mão disparou, outra mão guiou a bala de modo que não matasse”. Esta bala desviada doou ao Santuário da Senhora de Fátima. Está encrustada na coroa da imagem.
Concluiu-se o ciclo histórico do conteúdo da Mensagem com a revelação da terceira parte do Segredo de Fátima e a morte de Lúcia. No entanto, o conhecimento da biografia e dos testemunhos da vidente nos darão acesso a um tesouro inextinguível de espiritualidade. Aguardemos o que nos reserva.
Ainda no século 21, a Mensagem de Fátima é provocadora da fé. Maria serviu-se de meios simples -a inocência e a disposição de três criancinhas iletradas- para que se confundam os astutos, soberbos, poderosos e bem pensantes e, além disso, do sinal prodigioso: “o milagre do sol”, da última aparição. No entanto, provoca menos os da ciência e da mídia. Constrange mais aqueles cuja fé está abalada na intercessão mariana ou está desacreditada na oração pela paz e na intervenção divina contra regimes opressores. O antídoto proposto é, contudo, a oração a brotar do interior da fé, movida pela esperança.