Assistindo pela televisão à missa, na qual Madre Teresa de Calcutá foi canonizada pelo Papa Francisco, recordava que a vi pessoalmente.
Sou contemporâneo de uma grande santa, a mulher mais importante do século 20, na minha avaliação, ao lado de outras personalidades femininas. E são tantas!
Recordo-me com nitidez da sua face enrugada. Recordo-me de seu rosto sereno. Recordo que segurava o rosário. Recordo do seu hábito de religiosa: o sári branco franjado de azul. Enfim, recordo-me da sua figura como se a tivesse visto ontem.
Conduzida por Dom Eugenio de Araújo Sales, o cardeal-arcebispo, foi grata surpresa. Ele a convidara a dirigir-nos a palavra, pequeno grupo de padres em retiro mensal, no Sumaré, Rio de Janeiro. Não recordo de sua voz, do seu timbre. Porém, nunca me esqueci da mensagem comunicada.
Não nos falara dos pobres seus preferidos. Nada disse sobre a caridade que abraçara com fidelidade heroica. Nada disse de si mesma, da sua obra exitosa ou de seus sofrimentos, decepções e alegrias. Não explicou tampouco sua presença ali entre nós. Disse-nos apenas que fôssemos obedientes ao bispo, à semelhança de Maria, na anunciação pela qual dissera sim ao plano de Deus, através do anjo.
A propósito, recentemente, descobri que dissera a suas Irmãs: “ Como é que Nossa Senhora obedeceu ao anjo: “Seja feita a vossa vontade”. Vontade de quem? A do anjo, porque representava Deus… Ela, a Rainha dos céus, obedece ao anjo…” Portanto, tratava-se de um pensamento recorrente da Madre a respeito da virtude da obediência a Deus através de seus inferiores, mas nossos superiores.
Passados os anos, percebo nitidamente a importância da mensagem da Madre Teresa no contexto bíblico da fé que só pode ser obediencial. Trata-se de ouvir a Deus, entrando em consonância e em resposta solícita e afirmativa, através da mediação dos mensageiros. Isto fez Maria, bem-aventurada porque acreditou, isto é, disse sim ou faça-se. Com todo seu ser, obedeceu através da escuta: a Virgem que soube ouvir. Obediência supõe audiência.
Assim sendo, a obediência, provocada pelo diálogo, é o exercício da liberdade a Deus doada. Maria o fez pelo anjo. O padre diocesano o faz pelo seu bispo, segundo o recado bem dado da Madre. Lembrei-me, subitamente, da promessa feita no dia da ordenação: a Dom Eugenio e a seus sucessores. Em função da obra comum.
Madre Tereza foi corajosa ao falar-nos da obediência em tempos difíceis que ainda vivíamos (ou já foram superados?) crise de autoridade. No entanto, seu prestígio, já em vida, devido à heroicidade da caridade em favor dos pobres mais pobres, os últimos que ela fez os primeiros, só se entende pela obediência heroica da fé, plantada sobre a rocha de sua existência.
A obediência da Missionária da Caridade se deu ao chamado dentro do próprio chamado, à nova opção dada à sua vida consagrada de religiosa, em resposta ao apelo para fundar novas Congregações. Em tempos de tanta infidelidade, Madre Teresa de Calcutá é excepcional e desconcertante. Tudo nela é radical inclusive sua bondade.
O Papa Francisco captou a razão de tanto impacto causado por ela. Explicou: ela foi fiel a Deus, à Igreja e aos pobres. Quanto a estes, ela disse: “Penso que a pessoa mais importante no mundo atual é o pobre, pois tem o recurso de sofrer e trabalhar duramente”. Resposta dada ao repórter que lhe perguntara, talvez maliciosamente, sobre quem mais servia ao Evangelho: o Papa João 23, o Pastor Martin Luther King ou Gandhi. Aliás, todos seus contemporâneos no século 20 tão tumultuado.
Enfim, deixou para suas Irmãs e Irmãos de Congregação e Missão um tesouro que não se acaba e poucos querem para si: viver com os pobres e como os pobres. A propósito, Jesus diria: “quem puder entender, entenda”!