PASTOR NÃO É MERCENÁRIO

Somos postos diante de Jesus, o Bom Pastor (Jo 10, 11-18). A imagem é recorrente. Pode se tornar desinteressante para quem desconheça sua beleza. Por isso, é necessário recuperá-la em sua estética para aproximá-la de nosso mundo contemporâneo. Em geral, hoje confunde-se, não sem razão, a metáfora do rebanho com a massa de manobra, controlada por várias ideologias, mídias, propagandas, líderes políticos e pregadores religiosos.

Sempre há risco de palavras perderem com o tempo sua força comunicativa e provocativa ou até adquirirem outras significações inaceitáveis. Sem dúvida, existe a manipulação da linguagem para oprimir ou instrumentalizar as pessoas, tornando-as submissas e apáticas. Entretanto, tal observação também serve até para quem é crítico da linguagem ou proponha o chamado “pensamento politicamente correto”, não imune de influências ideológicas contra o outro.

 Quanto aos evangelhos são, cada um na própria diversidade narrativa, interpretação da mesma fé cristológica. Remetem às primeiras comunidades de fé para que mantivessem a memória viva e atuante dos acontecimentos fundantes e praticassem o ensinamento de Jesus, transmitidos oralmente.  O sentido religioso das palavras do Jesus joanino nada tem de sociológico ou de psicológico, no sentido moderno das ciências humanas. Emprega a linguagem metafórica usada pelos profetas e salmistas em relação ao governo de Deus, guardião e provedor de seu povo.

 Ao dizer “Eu sou o bom pastor”, Jesus expõe sua condição divina. No sentido prático, diz porque é bom: fez o que ninguém faz. Dá a própria vida. Há algo maior? Doa com total liberdade: “Ninguém a tira de mim; eu a dou livremente” (v.18). Por esta bondade incomparável é que conhecemos o Pastor e seu pastoreio. Ele ama de graça. Ele nos quer bem de verdade.

 Conhecemos também o sentido de sermos ovelhas, isto é, pessoas amadas. Estabelece-se com Ele a relação de propriedade, sim, mas na livre aliança do amor sacrifical e do sangue, que não só aproxima, mas cria a dinâmica da intimidade vital. Compreende-se, pois, que o Pastor o é na medida em que possui ovelhas pelas quais Ele dá a vida. Em contrapartida, as ovelhas “possuem” o Pastor, pois sem Ele, não podem viver. Aliança de tipo esponsal, não jurídico.

Evidencia-se, imediatamente, a diferença radical entre a imagem do pastor e a do mercenário. É óbvio que o mercenário não é pastor.  Primeiramente, as ovelhas não lhe pertencem. Segundo, não dá a vida por elas. Mesmo quando vê o perigo mortal e exterminador, símbolo do lobo, ele foge. Não arrisca a vida. Não se compromete. Não cria laços. Não faz aliança. É apenas e tão somente um mercenário, pois, não se importa pelo destino das ovelhas (v. 12- 13).

Infelizmente, constatamos na história das lideranças, políticas e religiosas, muitos mercenários-populistas e poucos pastores. Por isso, o Bom Pastor é visto e interpretado à luz da profecia em Israel: “Suscitarei para eles um pastor …ele os apascentará” (Ez 34, 33). O novo pastor por ser bom torna-se modelo e incentivo para qualquer liderança cristã verdadeira ou autêntica.

Jesus é pastor também pela relação que estabelece com suas ovelhas.  Conhece-as pelo nome, isto é, em profundidade.  Eis o sentido do nome. Igualmente, Ele conduz quem conhece, na reciprocidade, pois as ovelhas escutam sua voz, reconhecem-na. São estas que O seguem. Tornam-se discípulos e discípulas, na liberdade do dom si mesmos.

“Haverá um só rebanho e um só pastor” (v. 16).  Futuro certamente escatológico do ainda-não. Jesus olha em outra direção, para as ovelhas fora do redil, que hão de escutar sua voz, pois Ele deve conduzi-las. Assim fazendo, compromete quem está perto com seu olhar que alcança os que estão fora, longe e distantes… mesmo ao redor.  Eis por que toda atividade eclesial digna deste nome é chamada de pastoral. A Jornada Mundial de Oração pelas Vocações Sacerdotais e Religiosas só poderia ocorrer, como, de fato, se dá, no Domingo do Bom Pastor.

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