Somos estimulados à compreensão e à aceitação da identidade de Jesus, de modo surpreendente: “Eu sou a verdadeira videira” (Jo 15, 1). De imediato, a estranheza desta alegoria ocorre: videira?! Procurando alguma relação na tradição bíblica, a estranheza se torna surpresa: Jesus é a videira, não mais Israel. Surpreendente, porém, é a inclusão dos discípulos e com exclusividade: “Vós sois os ramos” (v. 5). O agricultor só podia ser o Pai (v. 1).
É útil para a compreensão da novidade ou peculiaridade da alegoria, retomar o que dissera Isaías quando cantara: “Meu amado tinha uma vinha em uma colina fértil. Ele cavou-a, removeu a pedra e plantou nela uma cepa escolhida. Construiu uma torre no meio e escavou um lagar. Esperava que produzisse uvas boas, mas só produziu uvas azedas” (Is 5, 27). Explica: “A vinha do Senhor dos exércitos é a casa de Israel, e os homens de Judá são a sua plantação preciosa” (v. 7).
Isaias em tom profético, embora poético, cantara o amor fiel e misericordioso de Deus com seu povo, propriedade sua, cláusula da aliança, em contraste com o pecado de Israel a expressar infidelidade. Ezequiel descreveria tal contraste em cores mais fortes de denúncia, chamando-a de “vinha estéril e sem fruto” (Ez 15, 1-6).
Usando a mesma imagem alegórica da tradição, o texto de João confere algo de próprio à temática. A videira é Cristo. Eis a novidade. Os frutos esperados serão colhidos pelos discípulos, desde que permaneçam unidos a Jesus, no amor fiel. Ele é o dom e a resposta, simultaneamente. Dom de Deus ao homem. Resposta do homem a Deus. Somente um ramo unido a Ele responderá com frutos agradáveis. Em suma, sem Ele, nada se pode fazer (15, 5).
O critério de estarmos unidos também entre nós são os frutos equivalentes à nossa permanência em Cristo. Quanto ao juízo, o critério de avaliação se dará nos seguintes termos: Quem frutificar tal como o ramo, será podado para dar mais frutos; quem for estéril em frutos, tal qual um ramo seco será queimado. Os frutos expressam o amor ao Pai em união com Cristo e expressam os frutos de amor aos irmãos, segundo a lei do novo mandamento: “como Eu vos amei” (15, 12).
Do ensinamento proposto pela alegoria, segue-se o apelo dirigido de Jesus a nós: “Permanecei no meu amor” (15, 9). Tal permanência se espelha no amor do Pai e do Filho: “assim como”. Exige a observância dos mandamentos de Jesus, igualmente na sua relação obediencial: “como Eu guardei os mandamentos de meu Pai” (15, 10).
A alegoria diz da exigência de amor que se dilata e se expande universalmente entre os discípulos e destes para todos. É a causa da alegria dos discípulos: “para que a minha alegria esteja em vós e vossa alegria seja plena” (15, 11).
A alegoria serve inclusive para a compreensão do mistério da Igreja, não como mera instituição com estruturas organizacionais sempre necessárias e reformáveis, mas enquanto união íntima e permanente com Jesus, dado que os ramos são os discípulos e discípulas.
O mistério proposto alegoricamente é, portanto, de relação, de relacionamento. Do Pai para com o Cristo Jesus e vice-versa. Do Cristo Jesus para conosco. De nós para com todos. A seiva vital da videira é o Espírito Santo ou a própria graça santificante que dele procede. É mística.
Em Isaías, Deus esperava como fruto a justiça: “esperou o direito, mas o que produziram foi a transgressão; esperava a justiça, mas o que apareceu foram gritos de desespero. Ai dos que juntam casa sobre casa e campo sobre campo até que não haja mais espaço disponível, até serem eles os únicos moradores da terra” (Is 5,7b-8). Em João, Jesus aguarda muito mais -a vivência do novo amor, relativo ao seu dom, o sacrifício de si mesmo: “amou-os até o fim” (Jo 13, 1). Vê-se o amor gerador de conflitos, porém, causa de nossa alegria, fruto da paz que brota da Cruz. Ele transborda na alegria pascal- passagem da morte à vida porque amamos (1 Jo 3, 14).