Na origem de nossa herança cristã, encontra-se a experiência da fé no Deus uno e único que, ao revelar-se na história, escolhe um povo, faz com ele sua aliança e lhe dá a Lei com seus dez mandamentos para que seja uma população feliz, pessoal e socialmente (Dt 4, 32-34. 39-40). Na nova aliança, tal experiência de Deus continua e se aperfeiçoa mediante o relacionamento trinitário de Jesus com Deus a quem Ele chama de Pai e com o Espírito Santo cujo poder o conduz, em palavras e ações.
Paulo explicita a novidade de nossas relações, em Cristo, ao afirmar que “todos aqueles que se deixam conduzir pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Rm 8, 14). Clamamos Pai, isto é, reconhecemos a paternidade divina e nossa filiação, pois, recebemos o espírito de filhos adotivos. Assim sendo, o Espírito é quem, unindo-se ao nosso espírito, atesta que somos, de fato, filhos de Deus (v. 15-16). Em outras palavras, pelo Espírito, somos filhos no Filho. Assim, somos herdeiros de Deus e co- herdeiros de Cristo para sermos glorificados com Ele (v. 17).
Tal novidade relacional trinitária ocorre desde o batismo que nos possibilita, pela graça, sermos filhos e filhas de Deus. Entende-se por que Jesus Ressuscitado com a autoridade dada pelo Pai, além de enviar os Onze a fazer discípulos todos os povos, ordena-lhes que batizem em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo (Mt 28, 19).
Somos assinalados e mergulhados no nome da Trindade para sermos homens e mulheres de relação, construtores de sociedades participativas na fraternidade, justiça, liberdade. Fomos criados para o congraçamento e não ao isolamento, pois é Deus- comunhão trinitária de amor e de vida.
Pelo batismo, também entramos em comunhão sacramental com a Igreja, reunida em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Entramos pela porta aberta do relacionamento tanto filial quanto fraternal. Consequentemente, a Igreja se entende como sendo povo, comunidade, assembleia, família, comunhão com o amor trinitário e entre nós. Somos, enquanto Igreja, o Povo de Deus, o Corpo de Cristo, o Templo do Espírito. Compreendemo-nos na alegoria da videira, Jesus e nós, o Espírito -a seiva, o Pai- agricultor. Compreensão totalmente relacional.
Na espiritualidade, na vida sacramental e na oração igualmente, tudo parte da Trindade, quer dizer, do Pai pelo Filho na unidade do Espírito Santo. Tudo igualmente retorna para a Trindade, no movimento inverno: na unidade do Espírito Santo pelo Filho ao Pai.
Bento XVI ensinou-nos que “ em tudo o que existe está num certo sentido gravado o “nome” da Santíssima Trindade, porque todo o ser, até às últimas partículas, é um ser em relação, e assim transparece o Deus-relação, transparece por fim o Amor criador. Tudo deriva do amor, tende para o amor e se move impelido pelo amor, naturalmente com diferentes graus de consciência e liberdade” (Em 7 de junho de 2009).
Santo Agostinho está na origem desta intuição trinitária em tudo e por tudo que nosso papa emérito nos recordava. O santo doutor partiu da psicologia humana para compreender as relações trinitárias em Deus e na alma humana. Observara sua presença no nosso espírito pela tríplice realidade da memória, da vontade e da inteligência. Atribuiu a cada pessoa da Trindade estas mesmas faculdades que capacitam o relacionamento entre nós e cada qual consigo mesmo.
Contemplando e adorando a presença de nosso Deus –relacionamento de amor- em tudo que somos e temos, passamos imediatamente à admiração agradecida:
“Ó abismo da riqueza, da sabedoria e da ciência de Deus! Como são insondáveis seus juízos e impenetráveis seus caminhos! Por tudo é dele, por ele e para ele. A ele a glória pelos séculos. Amém! ” (Rm 11, 33. 36).