Entre intelectuais e bem pensantes, é difícil abordar algumas temáticas bíblicas, entre as quais Satanás e o pecado original, exceto em modo figurativo ou simbólico do mal moral existente. Mesmo alguns homens e mulheres que andam no horizonte da fé cristã e procuram anuncia-la ao mundo contemporâneo, secularizado, e na cultura pós-cristã ou neo-pagã, a linguagem do satânico e do pecaminoso precisam encarar as ciências humanas, isto é, as explicações sociológicas, psicológicas e até pedagógicas de crítica ou mesmo de negação.
Ao lado da evidente rejeição, convivemos com religiões satânicas e macabras. Em vários países avançados, cresce o satanismo. São os adoradores do Diabo. Outros, ainda que exorcistas, valorizam-no pelo excesso da abordagem contra. Dão muita importância ao Capeta. Outra vertente é a dos pregadores espetaculares do medo, exploradores da ingenuidade dos simples quanto às influências maléficas no dia a dia. Ao seu modo, igualmente servem o Cão. Há, contudo, o mal que diverte. Além dos personagens antagonistas, violentos e ardilosos que fazem sucesso, não faltam formas burlescas e míticas do mal, fantasiado nas narrativas dos filmes de terror e de assombração. Diabos para todos os gostos.
Constata-se que a maldade e a perfídia são bem maiores do que qualquer explicação e representação. Inclusive, convém frisar, o mal não sai de moda. Por isto, está sempre nos noticiários e nos horários nobres, no espiral da violência, da corrupção, da injustiça. É banalizado em regimes totalitários e ditatoriais e no crime inteligentemente organizado.
Que nos dizem as Escrituras? Mesmo no uso figurativo e simbólico, tão diversificado, elas não camuflam o real poder dele. Expõem-no. Admitem a manifestação de um ser inteligente e embusteiro: “ Foi expulso o grande Dragão, a antiga serpente, o chamado Diabo ou Satanás, sedutor de toda a terra habitada” (Ap 12, 9). Porém, já está derrotado, sublinham.
Na simbologia das origens, o pai da mentira, aguça a possibilidade da desobediência e da soberba, seduzindo os primeiros pais na sua liberdade: “sereis como deuses” (Gn 3, 5). Satã é, portanto, o primeiro corruptor da história. A este mistério de iniquidade é imediatamente inserido – e isto é o que importa- o mistério da piedade: “porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Ela te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar” (v. 15).
Jesus se insere no confronto que redime e salva a humanidade, sendo luz que dissipa as trevas. De fato, veio com a missão de “reduzir à impotência, mediante a morte, aquele que tem o poder da morte, isto é, o Diabo” (Hb 2,14). Destrói suas obras más (1 Jo 3,8), já durante sua vida terrena, com sinais e prodígios, exorcismos e curas, o perdão dos pecados, o convite à conversão e ao seguimento, o ensinamento da fé, da caridade, do jejum e da oração. Proclama o Reino de Deus contra o Adversário. Ensina aos seus como vencê-lo, dando-lhes meios, tais como a vida sacramental e a ascese. A Igreja recomenda viver em estado de graça e a devoção mariana.
Os mestres da Lei precisavam desacreditar Jesus pelo artifício da interpretação demonológica. Ele agiria a serviço do próprio Maligno, pois, “estava possuído por Belzebu, e que pelo príncipe dos demônios expulsava os demônios” (Mc 3, 22). O Mestre argumenta: “Como é que Satanás pode expulsar a Satanás? ” (v. 23); “Se um reino se divide contra si mesmo, ele não poderá manter-se” (v. 24). Entretanto, atribuir a obra de Cristo ao demônio é blasfemar contra o Espírito Santo. Isto é imperdoável (v. 28-30). Até que ponto pode chegar a perversão…
Toda a história humana é perpassada pela luta contra o poder das trevas. No drama desta história, porém, entrou Jesus. Ele é o homem forte que, sendo divino, aprisiona o Maligno, detém-lhe a força e protege a casa (v. 27; cf. Mt 16,18). Com Ele e nele, venceremos.