CINQUENTENÁRIO DE UMA ENCÍCLICA

A Carta Encíclica Humanae Vitae do Bem-aventurado Papa Paulo VI é datada em 25 de julho de 1968. Trata do problema ético da regulação da natalidade e da paternidade responsável, em respeito à natureza e às finalidades do ato matrimonial. Por isso, desaprova os métodos de regulação artificiais. Foi criticada por setores da opinião pública, da Imprensa e até entre católicos e, aqui convém sublinhar, católicas, decepcionadas diante do que diziam ser um recuo da renovação do Vaticano II. Parecia um retrocesso ao diálogo da Igreja com o mundo moderno e a ciência, preconizado na Gaudium et Spes e pela meta do pontificado do próprio Paulo VI. Precisou ser defendida e explicada, embora muitos preferiram se calar. Aliás, dentro da Carta, o Papa pressentiu as controvérsias e suspeitou as dificuldades em acolhê-la (n. 18.20). Chegou a pedir o “leal acatamento, interno e externo, ao Magistério da Igreja” (n. 28).

Paulo VI sentiu-se impelido em explicá-la à parte. Logo fez, em Alocução, no dia 31 de julho do mesmo ano, que se tornou espécie de posfácio à Carta publicada. Diz que o texto deve ser conhecido, pelo menos no seu conteúdo essencial que não é somente a declaração de uma lei moral negativa, mas a apresentação positiva da moralidade conjugal de acordo com sua missão de amor e de fecundidade.

  Afirma que a Encíclica é fruto do Concílio, especialmente a Gaudium et Spes e da investigação da Comissão dos peritos e é, sobretudo, originada “de um exame pessoal do problema” mediante a reflexão e a oração. Quanto à decisão, é obra de seu discernimento pastoral, muito sofrido, em decorrência da fidelidade ao ensinamento objetivo.  Deixou transparecer a consciência que ela contribuiria “para a instauração de uma civilização verdadeiramente humana” (n. 18). Ao seu modo, prestou bom serviço ao humanismo integral.

 O Papa transmite a convicção que a moral conjugal cristã ajuda a “formar personalidades robustecidas e cultivadas pelo esforço do autodomínio, pela virtude e pelo senso de responsabilidade”. A medida da grandeza da transmissão da vida supõe a origem do amor conjugal que “exprime sua natureza e nobreza, quando considerado na sua fonte suprema, Deus, que é Amor” e, para os batizados “ o matrimônio reveste a dignidade de sinal sacramental da graça, enquanto representa a união de Cristo com a Igreja” (n. 8). Mantém-se no universo da fé enquanto relacionamento do homem e da mulher com Deus.

Consequentemente, a relação com o Criador e sua referência são imprescindíveis para compreender a Humanae Vitae. Daí a transmissão da vida como sendo “missão” dos cônjuges e que “não são livres para procederem a seu próprio bel-prazer, como se pudessem determinar de maneira absolutamente autônoma as vias honestas a seguir, mas devem, sim, conformar o seu agir para a intenção criadora de Deus, expressa na própria natureza do matrimônio e dos seus atos e manifestada pelo ensino constante da Igreja” (n. 10).

Entretanto, o clima secularizado de autonomia, o ambiente cultural da “revolução sexual” de 1968, a propaganda hedonista dos prazeres individuais, os interesses financeiros e políticos do controle populacional, a perda progressiva da identidade católica até a negação da religião na vida pública, favoreceriam a incompreensão da medida alta do ensinamento pontifício.  A crítica injusta à Encíclica se insere também no contexto eclesial, pós-conciliar, complexo e turbulento dos anos 60. Não é somente discordância quanto à regulação da natalidade, mas firma-se, sobretudo, no falseamento da liberdade, enquanto autonomia do sujeito que faz suas escolhas, só a partir de suas próprias convicções. É humanismo subjetivista. Tal mentalidade é poderosa e avassaladora. É a “ditadura do relativismo”, segundo a expressão de Bento XVI.  A nova mentalidade pode ser mais danosa que a perseguição até o martírio, pois tem a força de produzir cristãos medianos e nominais, que não dão o sangue. Na hora H, Cristo Jesus não conta com eles. Escapam. Por outro lado, cresceu em vários ambientes a vivência serena da Encíclica.

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