Durante o Tempo Comum em curso, seguiremos a leitura continuada de São Lucas, nos evangelhos de domingo. Ele se apresenta como historiador que vai às fontes. Porém, não faz história no sentido moderno do termo. Na verdade, faz uma narrativa teológica do acontecimento histórico: Jesus de Nazaré.
Sua perspectiva é própria para a compreensão do Cristo da nossa fé pelo acento dado à atividade do Espírito Santo em Jesus. Toda a narrativa dos fatos e ditos é conduzida pela sua presença. Os personagens são conduzidos pelo Santo Espírito, sobretudo, Jesus.
João, o Precursor, “será repleto do Espírito Santo desde o seio de sua mãe” (1, 15). A gravidez de Maria está intimamente ligada à ação do Espírito: “virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra” (v. 35). A mãe de João, Isabel, por sua vez, “ficou repleta do Espírito Santo (v. 41), reconhecendo em Maria, a Mãe do Senhor (v, 43). Zacarias, o pai de João, “ficou repleto do Espírito Santo” (v. 67) e diz seu salmo profético.
Simeão é descrito como homem justo e piedoso e “o Espirito Santo estava com ele (2, 25). O mesmo Espírito lhe revelara que não morreria sem ter visto o Cristo (v. 26). Foi ao templo “impelido pelo Espírito” (v. 27). Simeão e Ana profetizam. Logo, possuem o carisma profético, dom do Espírito (v. 36).
Quanto a Jesus, no batismo “o Espírito Santo desceu sobre ele sob uma aparência corporal, como uma pomba” (3, 22). Para ser tentado, “Jesus, repleto do Espírito Santo, voltou do Jordão e estava no deserto conduzido pelo Espírito” (4, 1). A seguir, “pelo poder do Espírito, voltou à Galileia e sua fama se espalhou em toda a região (v. 14). Na sinagoga de Nazaré, aplica o carisma profético a si mesmo e sua obra: “O Espírito do Senhor está sobre mim porque me conferiu a unção para anunciar a boa nova aos pobres” (v. 18). Jesus louva e agradece ao Pai “sob a ação do Espírito Santo” (10, 21). A respeito da eficácia da oração, ensinou que “o Pai do céu dará o Espírito Santo aos que o pedem” (11, 13). Expulsa os demônios pelo “dedo de Deus”, isto é, pelo poder do Espírito (v. 20). Com firmeza declara que “quem tiver blasfemado contra o Espírito Santo, isso não lhe será perdoado” (12, 10). Quando arrastados pelos perseguidores, “o Espírito Santo ensinará o que é preciso dizer” (v. 12). Enfim, o Ressuscitado é o doador do Espírito: “De minha parte, eu vou enviar-vos o que meu Pai prometeu. Quanto a vós, permanecei na cidade até que sejais revestidos do poder do alto” (24, 49).
Além disso, há aspectos importantes, próprios de Lucas como a presença significante de Maria. Lucas dá consistência à nossa veneração e devoção: Mãe do Senhor, cheia de graça, bem-aventurada, mulher de fé e do sim e do silêncio, coração a glorificar as maravilhas de Deus.
Chama a atenção para Jesus enquanto homem e mestre de oração, sensível às necessidades dos pobres, doentes e pecadores. Através das parábolas, a Igreja é chamada a ser samaritana (10, 29-37), misericordiosa (15, 1-32), servidora (17, 7-10), à semelhança do Mestre.
Na cruz e antes de morrer, Jesus promete a salvação ao ladrão que lhe suplica: “Lembra-te de mim quando vieres com teu reino” (23,42). O “hoje” da entrada no paraíso (24) é a justificação de um pecador pela gratuidade do amor misericordioso. O Cristo de Lucas afirma a gratuidade também durante a vida pública quando diz ao rico e ladrão, Zaqueu: “Hoje veio a salvação a esta casa” (19, 9) e passa a certeza que “há últimos que serão os primeiros” (13, 30).
A alegria é manifesta com frequência nos textos natalinos e pascais. Há vários cânticos: de Zacarias, de Maria, de Simeão e até dos anjos; o próprio Jesus exulta no Espírito. Enfim, Lucas conclui seu evangelho com a informação que os discípulos, após a Ascensão, “voltaram para Jerusalém, cheios de alegria, e iam cessar ao Templo, bendizendo a Deus” (24, 52-53). Tal transbordamento da alegria até litúrgica sintetiza a mensagem do evangelista do ano.