Jesus comenta a antiga Lei, na perspectiva da nova Justiça do Reino (Mt 5,17-37). Tal qual um novo Moisés na montanha (v.1), põe-se em sintonia com a Lei e os profetas para dar-lhes pleno cumprimento (v.17).
A realização das Escrituras até os mínimos detalhes, conforme a expressão “um só i, uma só vírgula não lhe serão tirados” (v.18), indica que Jesus dá à Lei o valor de profecia que se cumpre. Na realidade, Ele leva à perfeição tudo o que foi escrito e anunciado. Ele próprio é o cumprimento.
Jesus distingue a Lei de Deus do legalismo das interpretações dadas pelos escribas e fariseus, propondo uma Nova Justiça, a partir do coração ou da liberdade interior (v.20). Tal justiça é mediada pelo próprio Jesus que comenta a Lei, transformando-a para melhor, valorizando o espírito em relação à letra e aprofundando seu significado e exigências. Cria antíteses entre a antiga e a nova Justiça, indicando-lhe a superioridade.
Fiquemos apenas com a primeira antítese em relação ao mandamento de não matar (v.21; cf. Dt 5,17). O antigo preceito se refere ao respeito pela vida humana. Mantém sua atualidade. Porém, Jesus quer mais. Quer o respeito pela dignidade integral da pessoa, condenando qualquer injúria contra o outro. A simples ofensa pode conduzir ao tribunal como ocorre com o homicídio e pode condenar à pena capital (v.22). Significa que a ofensa ao próximo equivale a mata-lo, mortificando-o de golpe na sua dignidade pessoal. Coerente com a abordagem, Jesus acrescenta que, antes de se prestar culto a Deus Pai (6,9), é necessário reconciliar-se com o irmão que tem algo contra o oferente (vv.23-24).
O respeito pelo outro é de tal relevância que a iniciativa da reconciliação pertence àquele que sabe que seu irmão está contrariado ou ofendido. O perdão de Deus se condiciona ao perdão dado ao próximo (v.25; 6,12). Se na antiga Justiça, o culto exigia a pureza legal (Lv 13,17), na nova Justiça, a pureza do culto se mede pela coerência manifestada pelo amor a Deus no amor que perdoa o próximo. Não se ama sem perdão.
A autoridade e a liberdade de Jesus (7,29) ao comentar a Lei, através de antíteses assinaladas pelas expressões “ouvistes o que foi dito aos antigos” e similares (vv.21.27.31.33) e “Eu, porém, vos digo” (vv.22.28.32.34) não só o qualificam como novo Moisés, legislador de um novo Povo ou do Reino definitivo, mas também expressam sua pretensão messiânica (16,15-17).
A autoridade de Jesus escandalizaria os doutores e guardiães da Lei que o consideraram blasfemo. Compreendiam sua pretensão divina e messiânica; daí o projeto de mata-lo. Também a acolhida dos pecadores e dos rejeitados pela sociedade de seu tempo provocou o descontentamento e a crítica dos fariseus.
A contenda que crescia, desde o início da pregação pública, fez com que Jesus contra-atacasse como opositor de seus opositores: “Se a vossa Justiça não for maior que a justiça dos mestres da Lei e dos fariseus, vós não entrareis no reino dos céus” (v.20).
O recurso às antíteses cria um discurso de oposição, nada dialogante, no ritmo da batida forte: “Eu, porém, vos digo”. Trata-se de um Jesus “incômodo” também nos dias de hoje. Ele nada tem de adocicado. Mas, conquista corações generosos e exigentes.