DIANTE DO CRUCIFICADO

Conduzidos pela leitura de São Mateus, meditamos o impacto e o pavor de uma noite em pleno dia: “Quando chegou ao meio-dia, houve escuridão sobre toda a terra, até as três horas da tarde” (Mt 27,33). Associam-se a agonia e a morte de Jesus à escuridão.

As trevas daquela sexta-feira são reais e simbólicas. A simbologia é calcada no fenômeno do sumiço do sol.  A noite se torna símbolo do poder do mal –o poder das trevas atuante. De fato, a morte significava as densas trevas na expressão bíblica: “desceu às trevas eternas” (Tb 14,10); “Terra de trevas e de sombras da morte, terra soturna e sombria, de escuridão e desordem onde a claridade é sombra” (Jó, 10,21-22).

Já pouco antes, a luz se apagara para os que olhavam o Crucificado. Reclamavam: “desça da cruz para que vejamos e acreditemos (v.32). É a cegueira instalada pela malícia política e a maldade religiosa e a absoluta insensibilidade e desumanidade.

Todo o relato da Paixão é uma narrativa de males morais, facilmente identificáveis, na perfídia diabólica dos pecadores contra Jesus, santo e inocente. Atualizam a maldição profética: “Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem chamam de mal; dos que transformam as trevas em luz e a luz em trevas… os que absolvem o ímpio mediante suborno e negam ao justo a sua justiça! ” (Is 5,20.23).

Jesus, no sofrimento da alma, experimenta a densidade das trevas. Já havia expresso a tristeza e a angústia na oração do Getsêmani: “Minha alma está triste até a morte” (26,38). Antes de morrer, dá dois gritos que expressam a intensidade e a profundida da dor.

O primeiro grito é salmodia: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” (27,46). São João da Cruz nomeia a “noite escura da alma” que, permanecendo na fé, experimenta o sofrimento da ausência de Deus. Embora a lamentação e a prece do Justo Sofredor assemelham-se a um grito de abandono, Ele está pleno de esperança em Deus que há de ouvi-lo (Sal 22[21]). Aguarda a aurora, o retorno do esplendor da luz.

O segundo grito é caracterizado por ser “um forte grito” seguido do último suspiro. Jesus expirou (v.50). Se o primeiro fora dirigido ao Pai, o segundo é dirigido a nós. Ele ecoa pelo cosmos e na história. Podemos entrar em sintonia e captá-lo. É bastante forte para atingir homens e mulheres em todos os tempos e lugares. É capaz de atingir-nos.

O centurião romano e seus soldados, amedrontados, disseram: “De fato, este era filho de Deus!” (v. 54). Prefiguram a universalidade do acontecimento e a futura obra de evangelização no Império inclusive nas fileiras de jovens militares. A semente brotaria.

Contemplemos os crucificados de hoje e a Igreja perseguida. Pensemos o novo corona-vírus com a fé, a razão, a ciência e o amor. É tempo de quarentena. Tempo de reflexão. Tempo de oração. Tempo de incerteza. Tempo de silêncio. Tempo de retornar ao sentido da existência. Tempo de conviver com a doença e a morte. Tempo de esperança.

Voltemos àquela imagem que permanecerá a mais forte: Francisco, diante do Crucifixo e do ícone de Maria; da Cruz e da Eucaristia e da Mãe; da dor e da aflição do mundo. Beija os pés do Crucifixo. Abençoa-nos com o Santíssimo Sacramento. Tudo é só empatia. Acolhe na sua oração o respiro dos contagiados. Em tempo nublado e chuvoso, encheu-nos da luz amorosa e suavíssima da fé. Abraçou-nos com o amplexo da Cruz.

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