Jesus, quando a noite chegou, ficou sozinho em oração. Solidão acompanhada. Muitos se recolheram também, neste tempo de pandemia, para se contatar com o Senhor com as próprias indagações. Para tanto, nossos padres facilitadores mantiveram vivo o culto pelos meios digitais. A Presença é sentida, vista e ouvida, como experiência de fé, mesmo à distância.
Não sempre a natureza facilita a vida humana. A interação sem a qual o homem e a mulher não sobrevivem também não é fácil. Outrora, a construção de um barco para vencer o mar e atravessá-lo fora a vitória da habilidade humana. Quem diria, no entanto, que chegaríamos com a tecnologia atual ao total domínio dos oceanos.
No tempo de Jesus, “a barca era agitada pelas ondas, pois o vento era contrário” (Mt 14,24). A experiência da adversidade não parecia ser contornável. Porém, a principal dificuldade não vinha da natureza hostil, mas do tipo de presença que Jesus estabeleceria para provocar adesão à confiança da fé. Presença causadora de pavor. Presença irreconhecível.
“Pelas três horas da manhã, Jesus veio até os discípulos, andando sobre o mar. Quando os discípulos o avistaram, andando sobre o mar, ficaram apavorados, e disseram: É um fantasma. E gritaram de medo. Jesus, porém, logo lhes disse: Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!” (vv.25-27). Somente na transparência da presença e na palavra encorajadora, o medo se vai.
A vantagem de Pedro é sua ousadia. Ele também se faz presença diante do acontecimento pela súplica. Atinge o núcleo da prece, conversa e diálogo e ousadia: “Senhor, se és tu, manda-me ir ao encontro, caminhando sobre a água” (v.28). A resposta é imediata: Vem! (v.29). Foi…andou sobre as águas…venceu. Entretanto, não venceu a si mesmo e, em um átimo, teve medo. Diríamos: “amarelou”. De imediato, começou a afundar (v.30). O medo de aderir sem resistência, apesar do vento, à ventura da fé confiante seria o grande enredo no qual Pedro, só Ele com Jesus, é protagonista até o martírio. Algo parecido acontece conosco. Ou não.
Ao afundar, Pedro grita: Senhor, salva-me! (v.30). Jesus estendeu a mão e segurou Pedro, por inteiro: dois gestos, única atitude. Pedro é segurado. Segue a questão: “ Homem fraco na fé, por que duvidaste?” (v.31) Pedro duvidara que poderia caminhar sobre as águas apesar do vento. Porém, não duvidou que Jesus poderia salva-lo. Um dia não duvidaria do seu perdão.
Neste tempo de conturbação devido à pandemia, há de tudo, inclusive, negacionistas e irresponsáveis. Interessa apenas destacar lideranças políticas responsáveis para salvar vidas e sanear ambientes. Cientistas, pesquisadores, médicos, enfermeiros, funcionários da rede hospitalar, gente que ama e cuida de gente. Artistas que divertem e fazem a vida ficar mais leve. Jornalistas que não escondem a crueza dos fatos. Coveiros que enterram a morte.
A pandemia demonstrou a importância do SUS, a necessidade de políticas públicas, do valor do hospital e da universidade, a importância social do Estado. Mostrou o que já sabíamos: como somos desiguais! Apresenta nova patologia: a dos radicalismos, vorazes e irracionais. Desvendou os gabinetes do ódio. Diante disto, meditemos o caminhar de Jesus e Pedro no mar de nossas turbulências. Somos capazes de sentir a mesma Presença encorajadora?