O “ecumenismo humanitário” teve início, no século XX, de modo espontâneo, nos campos de concentração nazistas. Judeus, católicos, protestantes e ateus fizeram a mesma experiência de se ajudarem em ambiente desumano e hostil, dividindo um pedaço de pão. Frei Maximiliano Kolbe deu a própria vida ao ficar, espontaneamente, no lugar de um judeu, pai de família, que iria ser morto. A Igreja o canonizou mártir. Protestantes e católicos rezavam juntos o Pai-nosso. Descobriram que eram irmãos em Cristo, carregando juntos uma pesada cruz, nos campos de trabalhos forçados.
O Movimento Ecumênico organizado nasceu antes da Segunda Grande Guerra, como iniciativa entre as Igrejas protestantes. Por razões históricas e dogmáticas e institucionais de suspeição, a Igreja Católica aderiu muito depois das Confissões Cristãs. Ainda hoje causa suspeita em alguns católicos, integristas e tradicionalistas. Inicialmente, foram dados pequenos passos com um pronunciamento em 1949 do Santo Ofício, o trabalho de alguns eminentes teólogos, a criação da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos pelo Papa Leão XIII.
A abertura do catolicismo ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso se estabeleceu definitivamente com São João XXIII que convocou o Concílio Vaticano II com sua pauta pastoral e dialógica (não visava condenações) e inaugurou a nova maneira de ser Bispo de Roma ao ponto de ser chamado de Papa Bom. Ao visitar o Patriarca de Constantinopla Ortodoxo, disse que a unidade exige “a caridade mais do que a discussão teológica”. João XXIII causou boa impressão no meio judaico ao corrigir os termos “pérfidos judeus” na oração da sexta-feira santa. No ambiente protestante, surpreendeu por suas expressões de estima e afeto ao chamá-los de “ nossos irmãos separados”.
O Concilio Vaticano II e o Papa São Paulo VI assumiram tanto o ecumenismo com as Igrejas cristãs, quanto o diálogo com o judaísmo e as religiões (e os ateus). É importante retomar e estudar as Declarações e os Decretos que o Concilio promulgou e o Código de Direito Canônico normatizou para caminharmos em sintonia com a Sé de Pedro e termos a mente ecumênica e o espírito dialogante.
Paulo VI foi o Papa do diálogo. Na sua primeira Encíclica, programática, pôs o diálogo como meta. Falou muito também com gestos simbólicos e bastante significativos. Causou um misto de espanto e surpresa ao beijar os pés do Metropolita Grego Meliton, enviado do Patriarcado a trazer a boa notícia da Comissão de Estudos para a comunhão de ambas as Igrejas. A lição do beijo é que o ecumenismo deve partir da humildade. Coube, pois, ao Sucessor do Apóstolo Pedro dar o primeiro passo.
João Paulo II continuou ensinando, com palavras e gestos, o ecumenismo e o diálogo inter-religioso. Deixou o legado dos Encontros de Assis, orando com cristãos de várias Igrejas e até com não-cristãos. Passava a convicção que a unidade quebrada só se recupera, gradualmente e com muita dificuldade, na abertura ao Espírito e segundo a hora de Deus. Afirmou que a unidade “é um compromisso bem próprio do Bispo de Roma”. Bento XVI igualmente se esforçou pelo diálogo fora e dentro da Igreja, vivendo a caridade na verdade, própria de sua formação agostiniana. Seguiu os passos de seu antecessor em tudo e por tudo, no diálogo caridoso e na conversação amistosa.
Quanto ao Papa Francisco, é inegável que deseja uma Igreja em saída, criadora de pontes, indo ao encontro do outro. Ele quer e apresenta uma Igreja que sabe fazer parcerias. Optou por paramentos simples e por atitudes despojadas do antigo cerimonial de corte, o que facilita a comunicação com os demais. Continua o caminho nos passos dos seus antecessores, visitando sinagogas e templos protestantes e evangélicos –como hoje se diz- recebendo delegações de qualquer teor religioso e até ideológico. Tal atitude é irreversível por ser conciliar e é confirmada pelos Papas pós-conciliares.
Cristo, nossa paz, do que era dividido fez uma unidade (Ef 2, 14), é o lema-foco da mensagem da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021. Quanto ao tema, prático e exigente, é: Fraternidade e Diálogo: um compromisso de amor. Na Igreja apostólica, a Carta dirigida aos cristãos de Éfeso, incentivava à queda dos muros que separavam os cristãos judeus e os cristãos gentios, circuncisos e incircuncisos. Ambos deveriam olhar para o foco de luz: Jesus Cristo, Cabeça do corpo eclesial
De lá para cá, o foco é e continua sendo Jesus. O Mestre é capaz de ajudar-nos a derrubar barreiras, construídas no tempo, devido aos cismas e heresias, às perseguições e interpretações divergentes dos textos bíblicos; e, curar os ressentimentos históricos acumulados. Fazer ponte ecumênica tornou-se a arte de purificar a memória e de cultivar entre nós a beleza do encontro fraterno, ao nível do diálogo da fé e na graça.
No mundo de retaliações, polarizações e guerras, também é necessário que os cristãos construam pontes facilitadoras ao diálogo inter-religioso para a paz social e a pacificação dos espíritos beligerantes, a superação das discriminações, sobretudo, da acepção de pessoas. É preciso dizer com fatos que a “paz é possível” (Paulo VI).
Por tudo isto, resta-me desejar o bom êxito da Campanha da Fraternidade Ecumênica na nossa Diocese de Iguatu, se mantivermos o foco de irmos ao essencial: Jesus, nossa Paz, em sintonia com o magistério da Igreja. Para tanto, usemos o Texto- Base, de modo criativo e seletivo, pois não se trata de Documento.
Desejo uma santa Quaresma de preparação pascal, segundo o tríplice ensinamento de Jesus: a esmola da abertura ao outro na caridade, o jejum da superação orgulhosa de si, a oração do encontro dialogante com o mistério trinitário de Deus. Sempre com gratuidade. Jamais com hipocrisia.