No terceiro domingo de nossa preparação para a Páscoa, o tema simbólico da água brota com fartura. Durante o caminho pelo deserto, o povo sedento murmura contra Moisés: “Por que nos fizestes sair do Egito? Para nos fazer morrer de sede?” (Ex 17,3). Deus responde à oração do libertador: “Ferirás a pedra e dela sairá água para o povo beber” (v.8). Deus, doador da água, confirma ser o salvador de seu povo. A lição mais elementar do episódio é que necessitamos de água para viver, de tal modo que ela é sinônimo da própria vida.
São Paulo relê o êxodo e lhe dá uma aplicação cristológica: “Todos beberam a mesma bebida espiritual, pois bebiam de uma rocha espiritual que os acompanhava, e essa rocha era Cristo” (1Cor 10,1-4). De modo simbólico, o Apóstolo nos faz ver aquele que nos oferece a água da salvação e da vida. A água viva é o Espírito Santo.
O diálogo de Jesus com a samaritana junto do poço de Jacó inicia-se com o pedido: “Dá-me de beber” (Jo 4,7). Jesus, imediatamente, muda para o sentido espiritual da sede: “Se conhecesses o dom de Deus e quem é que te diz: ‘dá-me de beber’, tu é que lhe pedirias e ele te daria água viva! ” (v.10). Há algo de terno na conversação.
A mulher não alcança o nível espiritual da proposta de Jesus e retorna ao plano físico da água que mata a sede. Diz com simplicidade: “Senhor, nem se quer tens uma vasilha e o poço é profundo: de onde, pois, tiras essa água viva”? (v.11).
Jesus, entretanto, retorna ao plano espiritual com muito mais veemência: “…quem beber da água que eu lhe darei, nunca mais terá sede. Pois a água que lhe der tornar-se-á uma fonte de água jorrando para a vida eterna” (vv.13-14).
Mesmo ainda pensando no seu plano físico, ela faz uma súplica que, certamente, contém um anseio feminino de plenitude que atinge o plano existencial: “Senhor, dá-me dessa água; assim não terei mais sede nem virei aqui para tirá-la” (v.15).
O anseio feminino de amor e de ternura é evidenciado quando Jesus promove no diálogo a simples confissão: “Não tenho marido” (v.17). Jesus, logo a seguir, lhe revela o que ambos sabiam: “Falaste bem: ‘não tenho marido’, pois tiveste cinco maridos e o que agora tens não é teu marido; nisso falaste a verdade” (v.17-18).
A mudança no diálogo é repentina e nada tem de moralizante como poderia parecer. O diálogo passa para outro nível espiritual, o do simbolismo esponsal. Refere-se ao lugar do culto e, portanto, ao modo de comunhão na aliança de amor com Deus.
A samaritana, enquanto metáfora da Samaria, expressa o monte como lugar do culto e não o templo de Jerusalém (v.19-20). Eis um dos pontos da discórdia religiosa. Jesus, no entanto, desloca e amplia o sentido espiritual do culto: “os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade” (v.23). A questão não é mais de ubiquidade.
Jesus tão humano a pedir-nos água, provoca-nos como sendo a “fonte de água que jorra para a vida eterna”. Ele assinala a sede de sempre e de nossos contemporâneos e de cada um em particular. A sede que o consumismo de hoje não satisfaz. Sede no deserto da solidão. Sede diante do Mistério, da busca de sentido, de afeto, de verdade e até de lealdade. Do poço e muito mais na Cruz, Ele nos diz: “Tenho sede! ” (Jo 19,28).