O Quarto Domingo da Quaresma de nossa preparação para a Páscoa propõe-nos o simbolismo das trevas em confronto com a luz.
Elas estão presentes em textos bíblicos, com significados diversos, desde a temática da criação do nada: “as trevas cobriam o abismo” (Gn 1, 2). Entretanto, dentro do simbolismo conflitante, a luz é criação divina enquanto as trevas não o são. Tal linguagem simbólica da criação da luz nos ajuda a reler a Carta aos Efésios, segunda leitura do dia, na perspectiva do conflito entre a moral pagã, no significado das trevas, e a moral cristã, no significado da luz. O paganismo é a escuridão da qual saíram os convertidos a Cristo, luz dos homens. Por isso, diz o apóstolo: “Outrora éreis trevas, mas agora vós sois luz no Senhor: andai como filhos da luz” (Ef 5, 8). Sendo os cristãos iluminados, Paulo os exorta ao comportamento moral: não viverem como pagãos.
As obras das trevas são resumidas em duas: fornicação e avareza, atitudes pessoais, que transpostas à vida pública, podem hoje se referir a primeira à licenciosidade dos costumes, à promiscuidade sexual e ao tráfico humano para tais fins; a segunda, à paixão pecuniária, que induz à especulação e à corrupção financeiras, à lavagem de dinheiro e negociatas, às práticas desonestas de levar vantagem.
Ao contrário, as obras da luz são motivadas pela imitação de Deus no itinerário do amor, “como Cristo nos amou e entregou-se a si mesmo por nós a Deus” (Ef 5,1). Seus frutos são condensados em três atitudes éticas fundamentais: bondade e justiça e verdade (5,9). Ser bondoso. Ser justo. Ser verdadeiro.
Escrevendo para o cristão que poderia ter retornado às “ obras infrutuosas das trevas” (Ef 5, 11), devido ao ambiente sedutor, cosmopolita e comercial da cidade de Éfeso, Paulo faz acordar: “Ó tu, que dormes desperta e levanta-te de entre os mortos, que Cristo te iluminará” (5,14).
A primeira leitura, que é de Samuel, narra a experiência da visão obscurecida ou iludida pela aparência. Deus é quem escolhe o rei Davi. Cabe ao seu profeta ungi-lo. No entanto, ele custa reconhecê-lo entre os filhos de Jessé, pois apenas enxergava as aparências, através de critérios superficiais, enquanto ”o Senhor olha o coração” (1 Sam 16, 7). Portanto, necessitava da luz do discernimento. Não discernir, segundo Deus, é uma expressão do obscurantismo das trevas.
Quanto ao evangelho, Jesus vê o cego de nascença (Jo 9, 1) que vive na escuridão. Nunca viu a realidade do mundo e das pessoas, embora pudesse senti-los e ouvi-los. Quão densas são suas trevas! Jesus ao cuspir no chão para fazer lama com a saliva fabrica um unguento, pois, para os antigos, a saliva possuía virtudes curativas. Pondo a lama sobre os olhos do cego, unge-os. Faz a gratuidade da cura e da salvação, mas com a participação pessoal: “Vai lavar-te na piscina de Siloé” (9,7).
A narrativa é composta na ótica do confronto entre trevas e luz, desde as controvérsias sobre Jesus e o miraculado até sua excomunhão da sinagoga, desconsiderado como “nascido todo em pecado” (6,34). Também das trevas são aqueles que permanecem incrédulos, não compreendem e rejeitam Jesus (1,5. 9-10). A iluminação da fé, no entanto, é progressiva, de claridade em claridade. O próprio miraculado reconhece que Jesus é profeta (6,17). Só a seguir, é o Senhor. Ao prostrar-se reforça o que diz: “Eu creio, Senhor” (6, 38). Todavia, é Jesus quem toma a iniciativa de se deixar ver, atendendo ao desejo formulado (6,37); Ele o primeiro a ver o cego de nascença.
A mensagem da narração é o reconhecimento de Cristo, enquanto “luz verdadeira que ilumina todo homem” (1,9) e que “brilha nas trevas” (1,5). Consequentemente, a vivência cristã contém a esperança: “Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida” (8,12). Luz que avança e dissipa as trevas da morte. A Quaresma evidencia este confronto vital, presente no mundo, na Igreja, nas sociedades e indivíduos, em cada um de nós até a morte e ressurreição.