Com o Evangelho de Mateus, recordarmos a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, a Paixão e a morte.
Elas ainda nos provocam? A Igreja que, na semana santa, sai às ruas e, através dos meios de comunicação social, chega às residências, crê na resposta positiva. Jesus sempre provoca! Por isso, causa adesão e rejeição. Na semana santa, Ele é posto pelos católicos no centro das atenções, pois celebramos publicamente a redenção. Pretendemos avivar a curiosidade da Jerusalém agitada a dizer: “Quem é este? ” (Mt 21, 10).
Mateus descreve o acontecimento da morte de Jesus, após dolorosa Paixão, como sendo um evento público em meio às trevas que envolveram toda a terra do meio-dia às três horas da tarde. A morte é associada à escuridão tenebrosa a simbolizar o reino da perfídia, da incompreensão e do banimento do Inocente (27,4). As trevas também servem para introduzir os sentimentos do Crucificado, em seu grande grito de interpelação, dirigido a Deus, lá pelas três horas da tarde: “Por que me abandonastes? ” Na obscuridade da angústia e da amargura, Jesus se abre à confiança e salmodia intensamente. O grito é de lamentação e de confiança (cf. Sl 22 [21]), próprio de outros salmos, quando orar expressa um pedido ou grito de socorro.
As últimas palavras do Agonizante retomam o abismo da tristeza na oração ao Pai, simbolizada no cálice de dor não afastado. Expressava a alma estremecida, gemendo diante de Deus (cf. Sl 42, 2). Assim, no morro de Getsêmani e no monte do Gólgota, Jesus, ao orar os salmos, nos estimula a pedir, a esperar e a confiar. Intensifica sua oração ao ser abandonado pelos íntimos e, ao sentir-se abandonado pelo próprio Pai. Vive, então, a experiência trágica do humano sofrimento interior, sentido na subjetividade inatingível e em parte visibilizada: “Vós todos, que passais pelo caminho, olhai e vede: Há dor como a minha dor? ” (Cf. Lm 1, 12). Antes de entregar o espírito, dá outro grande grito, sem palavras. Segue o silêncio mortal. Somente os que sofrem, permanecendo no combate da fé, sintonizam na extensão universal do derradeiro grito. São alcançados e captam-no em “frequência modulada”. Agonizar com Cristo é a configuração mais íntima com o mistério da cruz.
Não se apagou a luminosidade que envolvia o Crucificado apesar das densas trevas do silêncio mortal. Não surpreende que o centurião O reconheça junto com aqueles que O guardavam: “De fato, este era o Filho de Deus” (Mt 27, 54), pois, sua morte se tornaria ensinamento para além das fronteiras de Israel. A morte do Justo abria as portas à fé dos gentios. Não O silenciava nem O obscurecia. Confirmava-O.
A morte de Jesus inaugura novo tempo para a história da salvação. Daí a linguagem apocalíptica a descrever o véu do templo rasgado, a terra se tremendo e as rochas se fendendo (27,51); os túmulos se abrindo e os corpos de santos ressuscitando vistos por muitos (27, 53). Quer dizer que, desde a agonia e no instante do silêncio da morte, Jesus inaugurava um novo tempo e um novo culto e, descendo à mansão dos mortos, trazia a vida e a libertação definitiva para os que jaziam cativos na morte. É a vitória da vida no interior da morte.
A linguagem simbólica voltará na descrição do raiar do primeiro dia da semana e no grande terremoto (28, 1-3). Então, os símbolos nos projetam para além dos fatos. Nada diz de trevas sobre a terra. Somente a claridade da aurora. O anjo mensageiro é de luz e de boas novas (28, 1.3). Não mais a morte ocupa a centralidade, ainda que vencida. O centro de interesse e do desejo é o encontro marcado com o Ressuscitado. Encontro com lugar marcado: “Lá me verão” (v. 10).
O sepulcro estará para sempre vazio. Não é na sepultura que Jesus nos encontrará em espécie de relicário. Ele não nos deixa relíquias. Está vivo com os seus. Portanto, conosco.