ESPIRITUALIDADE DO PADRE CÍCERO

No final do mês de janeiro, a Liturgia nos apresenta dois santos próximos, ainda que distantes no tempo e na formação: São Francisco de Sales (1567-1622), festejado no dia 24, e São João Bosco (1815-1888), no dia 31. O primeiro nasceu de família nobre e estudou em boas universidades, o segundo nasceu de uma pobre família de camponeses e estudou no seminário.

A proximidade se dá pela influência que a biografia e a espiritualidade de São Francisco de Sales, santo do amor e da mansidão, exerceu sobre São João Bosco. O santo educador da juventude que, ainda padre novo, reunia os meninos pobres, no Oratório, tornou-se o fundador da Sociedade de São Francisco de Sales cujos educadores são conhecidos como salesianos.

 Padre Cícero Romão (1844-1934) se aproximou de ambos os santos. Certamente, por isso, diante das incompreensões e perseguições de seu Prelado e colegas de batina manteve-se respeitoso sem perder a aparente serenidade e a alegria de viver. Buscou alternativas para si.

A Irmã Annette Dumolin, nascida na Bélgica, estudiosa do fenômeno religioso, em Juazeiro do Norte, escreveu um livro intitulado: “PADRE CÍCERO, santo dos pobres, santo da Igreja. Revisões históricas e reconciliação”, Paulinas- 2017. Apresenta uma interpretação a partir dos escritos do Padre Cícero, especialmente suas Cartas. Faz-nos perceber um aspecto de sua espiritualidade que o aproxima de São Francisco de Sales e de São João Bosco.

Padre Cícero escreveu em seu Testamento: ”…em virtude de um voto por mim feito aos doze anos de idade, pela leitura que nesse tempo fiz da vida imaculada de São Francisco de Sales, conservei a minha virgindade e a minha castidade até hoje”. Em sintonia, Irmã Annette lembra que, na vigília de sua ordenação sacerdotal, o então diácono João Bosco fez um voto:  “A caridade e a doçura de São Francisco de Sales me guiarão em tudo”.

Irmã Annette avalia que “a admiração do Padre Cícero pela Congregação Salesiana se revelará claramente no seu testamento, escrito em 1923, no qual pede que os filhos de Dom Bosco continuem sua obra após sua morte”.

 A Irmã discerne que Padre Cícero não seguia as orientações do Padre Manuel Couto, contidas em Missão Abreviada, divulgadas pelos missionários, no sertão nordestino. Obra de ascese moralizante e exigente, calcada no “terror ao pecado, da morte iminente e do fogo do inferno”. Ao contrário, mesmo servindo-se da pedagogia do medo, própria da época, insistia no amor. Escreveu: “Deus é um mar de misericórdia para aqueles pecadores que se arrependem verdadeiramente e se emendam; está tudo em uma verdadeira conversão, confissão e emenda”. 

A Irmã nos lembra que Padre Cícero “não foi só pessoalmente influenciado pelo exemplo de São Francisco de Sales, como também ele utilizava seus escritos para a formação espiritual, especialmente das “ beatas”. A Beata Maria das Dores possuía e lia a Introdução à Vida Devota (Filoteia) de São Francisco de Sales, certamente, por recomendação do Padre de Juazeiro.

Segundo o jornalista Lira Neto na obra: “PADRE CÍCERO. Poder, fé e guerra no sertão”, Companhia das Letras, 2014, “o padre, acusado em vida de não apoiar a abertura de escolas no Juazeiro com a suposta intenção de manter o povo subjugado pela ignorância, manteve inalterada a disposição de que o acesso dos salesianos à herança estava condicionado à fundação de instituições educacionais da congregação, no Juazeiro, para crianças de ambos os sexos”.

A Congregação dos Salesianos de Dom Bosco foi a principal herdeira dos bens pessoais do Padre Cícero Romão Batista devido à espiritualidade e ação educativa dos seus padres. A espiritualidade de matriz salesiana do Padim Ciço não explica tudo, mas grande parte do seu modo acolhedor de ser cuja resposta é o carinho e a ternura com que os sertanejos o veneram ainda hoje. São Francisco de Sales dizia: “é mais fácil atrair moscas com mel do que vinagre”.

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