Experiência Fascinente


A aparição do Senhor Ressuscitado aos discípulos de Emaús é episódio narrado somente por Lucas (24,13-15).

A narrativa expressa uma experiência fascinante, bela pela própria cena, com significados convergentes. Os biblistas afirmam a intenção catequético-litúrgica do texto. Além disso, introduz o leitor e a comunidade eclesial ao encontro com o Ressuscitado mediante a Palavra e a fração do Pão.

Lucas aprecia considerar os discípulos como seguidores do Caminho (At 9, 2; 18, 25.26, etc.). Por isso, o termo aparece nos Atos dos Apóstolos com frequência. É traduzido por doutrina, de conotação estática a reduzir o sentido. Na realidade, empobrece-o, pois, é concluída a doutrina enquanto o caminho está sempre aberto ao prosseguir e ao novo acontecer. Além do mais, aponta para o próprio Jesus que conduz ao Pai (cf. Jo 14,6). Indica encontros interpessoais e surpreendentes. Enfim, a riqueza da dinâmica relacional é o sentido do caminhar dos discípulos de Emaús.

Inicialmente, o itinerário tem lugar visado e tempo cronometrado: “para um povoado distante de Jerusalém, mais ou menos duas horas de caminho”. Os discípulos conversam sobre os últimos fatos que os decepcionaram. Fazem à crônica. Avaliam o comprometimento com a pessoa e a causa de Jesus. Que desilusão! Os rostos sombrios põem para fora sentimentos íntimos. Pararam. É a primeira estação. Acontece diante do forasteiro, após o itinerário interior, bastante sofrido pela decepção.

Jesus se aproxima, física e existencialmente, deles, pois, “Pôs-se a caminhar com eles”. Fato notável devidamente sublinhado pelo narrador. Contudo, seus olhos ainda permaneciam impedidos de reconhecê-lo. Então, Jesus invade a conversa, indagando: “Que palavras são estas que trocais entre vós enquanto ides caminhando”? Eles atendem ao interesse invasivo do forasteiro. Explanam aquilo que Ele mesmo havia sofrido. A decepção, porém, não fora pelo seu sofrimento de cruz e morte. É da ilusão do equívoco: “Nós esperávamos que fosse ele quem iria libertar Israel; mas já três dias passaram desde que essas coisas aconteceram”. Desfizera-se em nuvem passageira a intensa expectativa de ser Ele um messias político nacionalista.

A trajetória prossegue, transformada em memorial do plano salvífico de Deus. Jesus perpassa ou caminha com eles, através dos textos das Escrituras que lhe dizem respeito, desde Moisés aos profetas. Foi longo o percurso de ida e volta, de profecia a cumprimento, até a conclusão do sofrimento necessário para entrar na sua glória. Jesus abre um caminho de interpretação na retomada da história da salvação.

A outra parada, mais breve, é de significância também. É a estação na qual os aspectos se revestem de delicadeza, desde a sutil simulação de Jesus querer seguir adiante, quando se aproximaram da aldeia até a insistência dos discípulos: “Fica conosco, pois cai à tarde e o dia já declina”. Aceitou o convite, pois, “Ele entrou para ficar com eles”. A seguir e de imediato, estando “à mesa, tomou o pão, disse a bênção, partiu-o e distribui-o a eles. Então seus olhos se abriram e eles o reconheceram, mas ele desapareceu de sua vista”. Sublinha que Jesus é reconhecido apenas nos gestos do pão abençoado, partido e distribuído. Gestos reveladores!

O ponto de chegada poderia ter sido o breve reconhecimento. Porém, não existe chegada. Ocorre o início de nova trajetória no memorial da experiência: “Não ardia o nosso coração no peito quando ele nos falava pelo caminho e nos abria o sentido das Escrituras? ” A Palavra aquecera a frieza interior. Segue-se o retorno imediato e apressado para Jerusalém. O itinerário é o mesmo, porém ao inverso, isto é, com o novo desejo do reencontro. Vão aos Onze e seus companheiros para narrar e partilhar.

A experiência originária dos discípulos e a mediação apostólica atualizam-se, em chave eucarística e litúrgica, na relação de palavras e de gestos, a exprimirem a presença e o convívio, a comensalidade e a comunhão com Jesus. Por isso, a Sagrada Liturgia é experiência fascinante para quem a celebra.

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