No Sermão da Montanha, Jesus, qual novo Moisés, legisla. Ele serve-se de antíteses, caracterizadas pela expressão: “Eu, porém, vos digo”. A nova Lei que inclui o amor aos inimigos tornaria os discípulos perfeitos como é o Pai Celeste (Mt 5, 48).
A norma inusitada de Jesus possui em si um apelo ao “sobrenatural”, no sentido que projeta o discípulo, além das simples forças humanas. Humanamente falando, é impossível amar os inimigos, pois seria demasiada perfeição. Pela vivência da graça, porém, o discípulo é capacitado a pôr em prática o perdão e até o amor aos inimigos.
Os santos e santas são aqueles que, colaborando com a graça, testemunham a vitória da gratuidade do amor, à semelhança de Jesus que perdoou seus inimigos antes de morrer. Muitos, especialmente, os mártires perdoaram seus torturadores, antes de morrer. O exemplo heroico desses nossos irmãos e irmãs, imitadores de Cristo, aumenta nosso desejo de superar toda retaliação. Elimina a vontade de vingança e hostilidade.
Sirva de exemplo a atitude de João Gualberto, um santo do século X. Seu irmão, Ugo, foi assassinado. João considerou seu dever vingar-lhe a morte. Seu pai também ajudava a alimentar o ódio e a vontade de vingança. No entanto, ao encontrar-se com o assassino, numa passagem estreita e propícia, Gualberto ao sacar da espada para golpeá-lo, hesita impactado pelo assassino ter se ajoelhado diante dele com os braços cruzados sobre o peito. Lembrou-se de Cristo que da cruz pedia perdão pelos inimigos. Por obra da graça, superou o ódio, alimentado pelo desejo de vingar a honra da família. Guardou a espada. Abraçou o inimigo. Correu à igreja do mosteiro para rezar junto ao Crucifixo.
Jesus, de fato, corrigiu o “olho por olho e dente por dente”. Ao invés desta antiga lei do talião, Ele afirmou: “Eu, porém, vos digo: Não enfrenteis quem é malvado! Pelo contrário, se alguém te dá um tapa na face direita, oferece-lhe também a esquerda! ” (v. 39). Não foi zelota ou guerrilheiro. Foi profeta, pacifista, ainda que resistente e atuante.
Nós, cristãos, sabemos que Jesus ensinou e viveu o perdão, mas não o praticamos, habitualmente. Por que? Muito dura e até incompreensível é, também para nós, a lei do perdão. Precisa de MÍSTICA, união amorosa com Deus pela leitura orante da Bíblia, e de ASCESE, esforço pessoal e busca incessante de purificação do amor. Precisa de iniciar-se no itinerário progressivo e constante de pequenos e mais fáceis atos de perdão, no dia a dia, até a aquisição do hábito de perdoar para, se for preciso, amar o inimigo.
Em nome da verdade e de Cristo, cristãos fervorosos se dividiram e ainda se dividem. Tornaram-se inimigos recíprocos. Excomungaram-se uns aos outros. Chegaram a fazer a guerra de religião. Houve muita defesa e ataque (=apologética). Todavia, o clima do Vaticano II soprou de modo diverso, rumo ao diálogo, à tolerância, ao respeito. Os membros de outras denominações passam a ser considerados “irmãos separados”. Os demais não são vistos, necessariamente, como inimigos. O “olho por olho” perdeu a força. Entretanto, o ecumenismo e o diálogo religioso permanecem desafiadores.
A partir do Concílio, faz parte do catolicismo substituir a discussão pelo diálogo. Este proíbe as ofensas e promove o perdão de atitudes ofensivas do passado. Quando se trata de defender a verdade, seja com mansidão. Além disso, desde São João Paulo II, foi incorporada a coragem de pedir perdão para purificar os ressentimentos da memória.