Desde a Festa do Batismo do Senhor, faremos com a Liturgia à leitura continuada do evangelista São Marcos com o qual acompanharemos o “Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (1,1) durante o Tempo Comum.
Do ponto de vista literário, o narrador consciente concede ao leitor saber que o “segredo messiânico” existe. Quando diz, na cena do Batismo, que “os céus se rasgam” (v.10) permite que o leitor conheça sobre Jesus mais do que os discípulos e outros personagens da narrativa que, só gradual e progressivamente, eles tomarão conhecimento.
Para o leitor, no entanto, o conhecimento se dá desde o batismo, quando o Espírito desce sobre Jesus como uma pomba e a voz do Pai diz: “Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo” (1,11). Sem dúvida, é uma revelação trinitária, manifestação divina.
Embora a narrativa do batismo seja muito breve, além da relação filial com o Pai, indica a relação do Espírito com Jesus e sua missão, narrada a seguir. De fato, Ele é logo conduzido pelo mesmo Espírito ao deserto (v.12). Laconicamente, é dito que foi tentado por Satanás e vivia entre as feras, em certo retorno ao paraíso e servido pelos anjos (v.13).
Sempre sucinto e lacônico, o narrador vai revelando o segredo messiânico, passando pela vida pública (1,14-10,52) e o ministério de Jesus em Jerusalém, convergindo para a Paixão e morte e o anúncio da ressurreição (11,1-16,8) “até quando o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos” (9,9). Então, não existirá mais o segredo. Tudo será revelado.
A primeira parte do Evangelho de Marcos é centralizada na vida pública (1,14-10,52). Jesus anuncia a proximidade do Reino ou a soberania de Deus. Convida ao arrependimento e à adesão pela fé ao seu Evangelho (1,14-15). Ensina com autoridade. Realiza ações de poder, exorcizando e curando e perdoando pecados. As testemunhas dos fatos se perguntam de onde vem sua sabedoria e sua força miraculosa. Os discípulos também se perguntam pela identidade dele. No entanto, Jesus lhes impõe o silêncio.
A segunda parte é o ministério de Jesus em Jerusalém, convergindo para Paixão e morte e o anúncio da ressurreição (11,1-16,8). Não há mais segredo messiânico. O próprio Jesus, através da parábola dos vinhateiros homicidas, discorre sobre a filiação e a morte: o Filho amado será rejeitado e morto, mas se tornará a pedra angular (12,1-12). Perante o Sinédrio, declara ao Sumo Sacerdote ser Ele o Messias e o Filho do Homem que virá exaltado (14,61s). Abandonado pelos discípulos, é reconhecido na cruz pelo centurião: “Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus” (15,39). Por conseguinte, o segredo deixa de existir.
Outro modo, ainda que indireto, de dizer o segredo é pelos adversários. Eles dizem a verdade messiânica pela rejeição e o sarcástico. Reconhecem ser Ele o Justo Sofredor: “Que farei de Jesus, que dizeis ser o rei dos judeus? –Crucifica-o! –Mas que mal ele fez? ” (15,12-14). Sabem que Ele só fez o bem, salvando os outros. Atestam: “Aos outros salvou, a si mesmo não pode salvar. O Messias, Rei de Israel…desça agora da cruz, para que vejamos e creiamos” (v.31-32).
O segredo é mais que um recurso literário, pois remonta ao próprio Jesus que não queria que a messianidade e a filiação divina suscitassem expectativas de triunfalismo e de carreirismo (cf. 9,34). Mesmo os milagres poderiam ser vistos como ações espetaculares e não expressões do Reino de Deus. A quem foi desvendado, é lançado o chamado ao seguimento (8,34) e ao serviço (10,43). Com tudo isto, Marcos ensina: não sejamos apenas leitores, mas discípulos, conhecedores e dispostos a seguir Jesus do Batismo à Morte e Ressurreição.
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