É uma grande mentira fazer crer que certas vidas não são dignas de ser vividas: é o que escreve o Santo Padre na Mensagem para o Dia Mundial do Enfermo, a ser celebrado em 11 de fevereiro de 2015 com o tema “Sapientia cordis”. “Eu era os olhos do cego e servia de pés para o coxo”, extraído do Livro de Jó (29, 15).
“O tempo gasto junto do doente é um tempo santo. É louvor a Deus” – afirma o Papa Francisco –, “que nos configura à imagem do seu Filho”, que “não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida para resgatar a multidão” (Mt 20,28).
Abordando o tema em questão na perspectiva da sabedoria do coração, Francisco fala do “valor do acompanhamento”, muitas vezes silencioso, que nos leva a dedicar tempo aos enfermos que, “graças à nossa proximidade e ao nosso afeto, se sentem mais amados e confortados”.
Ao invés – exclama o Pontífice – “que grande mentira se esconde por trás de certas expressões que insistem muito sobre a ‘qualidade da vida’ para fazer crer que as vidas gravemente afetadas pela doença não mereceriam ser vividas!”
Às vezes – observa o Papa Francisco – o nosso mundo esquece o valor especial que tem o tempo gasto à cabeceira do doente, porque, obcecados pela rapidez, pelo frenesim do fazer e do produzir, “esquece-se a dimensão da gratuidade, do prestar cuidados, do encarregar-se do outro”. No fundo, pondera o Papa, “por trás desta atitude, há muitas vezes uma fé morna”, que esqueceu a palavra do Senhor que diz: “a Mim mesmo o fizeste” (Mt 25, 40).
Por isso, Francisco recorda mais uma vez “a absoluta prioridade da ‘saída de si próprio para o irmão’, como um dos dois mandamentos principais que fundamentam toda norma moral e como o sinal mais claro para discernir sobre o caminho de crescimento espiritual em resposta à doação absolutamente gratuita de Deus” (Exort. ap. Evangelii gaudium, 179).
A caridade precisa de tempo, prossegue a Mensagem. “Tempo para cuidar dos doentes e tempo para os visitar. Tempo para estar junto deles”. Mas é preciso não tornar-se como os amigos de Jó, que “escondiam dentro de si um juízo negativo acerca dele”: pensavam que a sua infelicidade fosse o castigo de Deus por alguma culpa dele.
Pelo contrário, continua o Papa, “a verdadeira caridade é partilha que não julga, que não tem a pretensão de converter o outro; está livre daquela falsa humildade que, fundamentalmente, busca aprovação e se compraz com o bem realizado”.
A experiência do sofrimento – escreve Francisco – “só encontra a sua resposta autêntica na Cruz de Jesus, ato supremo de solidariedade de Deus para conosco, totalmente gratuito, totalmente misericordioso. E esta resposta de amor ao drama do sofrimento humano, especialmente do sofrimento inocente, permanece para sempre gravada no corpo de Cristo ressuscitado, naquelas suas chagas gloriosas que são escândalo para a fé, mas também verificação da fé” (cf. Homilia na canonização de João XXIII e João Paulo II, 27 de abril de 2014).
Então – prossegue o Santo Padre – “também as pessoas imersas no mistério do sofrimento e da dor, se acolhido na fé, podem tornar-se testemunhas vivas duma fé que permite abraçar o próprio sofrimento, ainda que o homem não seja capaz, pela própria inteligência, de o compreender até ao fundo”.
O Papa Francisco recorda, portanto, os muitos cristãos que também hoje testemunham, não com palavras, mas com a sua vida radicada numa fé genuína, ser ‘olhos para o cego’ e ‘pés para o coxo’! Pessoas que estão próximas dos doentes que precisam de uma assistência contínua, de uma ajuda para lavar-se, para vestir-se, para alimentar-se.
Esse serviço, especialmente quando se prolonga no tempo, pode tornar-se cansativo e enfadonho. É relativamente fácil servir por alguns dias, mas é difícil cuidar de uma pessoa durante meses ou até mesmo durante anos, inclusive quando esta não é mais capaz de agradecer. Todavia – afirma o Papa Francisco –, é um “grande caminho de santificação”.