Na segunda semana do advento de nossa preparação para o Natal, o Evangelho conclui: “Todas as pessoas verão a salvação de Deus” (Lc 3,6). Tal universalismo corresponde ao que dissera o Segundo- Isaías: “…toda carne, de uma só vez o verá…” (Is 40, 5). Trata-se, na perspectiva de Lucas, de Jesus, anunciado por João, cuja missão e pregação se inspiravam no grito anterior do profeta: “preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas” (v. 4; Is 40,3).
Tanto o Segundo-Isaías quanto João Batista são figuras do advento. A Liturgia os aproxima, em sintonia com a perspectiva de Lucas, evangelista dos pobres e humildes. Lucas retoma o tema do profeta sobre a consolação de Israel: “ Consolai, consolai o meu povo” (Is 40, 1); Aplaina um caminho no deserto para que marche de volta com seu Deus, da terra da escravidão à terra da liberdade (v. 3-4); Desmonta a arrogância dos poderosos, destronando-os e eleva os humildes, como cantou Maria, agradecida (1, 52).
Toda a riqueza de simbologia e de convergência de esperança na libertação se encontra na pregação do precursor aplicada a Jesus, salvação de Deus para todos, sobretudo, dos pobres e dos exilados ou despossuídos da terra. A voz clama por colaboração de facilitadores que aplainem os caminhos.
Não é desviante da meditação, lembrarmo-nos dos incontáveis refugiados de hoje, forçados a saírem em exílio pela ânsia de sobreviver, caminhando ou navegando, para terras estrangeiras. Sobrevivem de políticas públicas dos países e da caridade dos cristãos ou encontram a face viva e trágica da morte repentina. Quantos ficaram no meio do caminho e no fundo do mar! O Natal de luzes e de cores das sociedades abastadas não pode esquecê-los. Compõem o mundo tenebroso e sombrio do novo milênio que já mostra a face antiga dos horrores.
Lucas, teólogo narrativo e historiador cuidadoso (1, 1-4), dá sua dimensão teológica e histórica aos atos e ditos de Jesus. Tudo acontece em meio ao turbilhão da história universal que incluía tanto a situação política do império romano, conquistador e intimidador, quanto a política sacerdotal acomodada para a sobrevivência da religião. Cita nominalmente Tibério Cesar e Pôncio Pilatos, entre outros, e Anás e Caifás, por serem sacerdotes (v. 1-2). Porém, a palavra de Deus não foi dirigida aos ministros do culto, mas a “João, filho de Zacarias, no deserto” (v. 2).
João é a última voz da promessa. A propósito, Jesus dirá: “A lei e os profetas chegam até João; daí em diante, é anunciada a boa nova do reino de Deus e cada um se esforça em entrar nele” (16,16). Assim sendo, é Jesus quem anuncia o Reino, pois nele e por ele todas as promessas de Deus se cumprem.
Jesus é o centro de convergência da história. Inaugura o novo tempo, o HOJE da salvação. Esta é a novidade que os anjos cantaram: “Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um salvador, que é o Messias, o Senhor” (2, 11). “Hoje se cumpriu essa passagem da Escritura”, dirá de si mesmo Jesus (4,21), indicando ações proféticas, libertadoras e transformadoras.
A Igreja também anuncia o HOJE na pregação e no testemunho. Celebra e atualiza o HOJE na liturgia. Na pregação e na missão do Batista, encontra um estímulo e uma referência ao HOJE de sua presença eclesial no tempo e no mundo. Também ela se encontra no HOJE do anúncio alegre do Anjo. Igreja mensageira e realizadora!
Os festejos natalinos evocam tanta beleza e sublimidade, a felicidade da vida e o desejo de Deus qual “terra seca que tem sede de água viva” (Sl 63[62]). Tenhamos a delicadeza de prepararmos o Natal como se aguarda o nascimento de uma criança amada e desejada.