SENADOR POMPEU SE PREPARA PARA CELEBRAR A 42ª CAMINHADA DA SECA

“Caminhando ao campo santo, pelo sertão eu vou,
em homenagem às almas do povo sofredor”
(Autoria desconhecida).

Caminhar, peregrinar, fazer romaria é algo muito forte e presente na experiência do povo de Deus. Peregrino é todo “aquele que viaja para um lugar sagrado num ato de devoção religiosa”. Vindos de todos os cantos, os romeiros chegam a pé, a cavalo, de moto, carro, ônibus, pau-de-arara, fazendo sacríficos como carregar cruzes ou andar de joelhos a fim de pagar suas promessas. Tudo isso no entendimento que aquele lugar é santo e nos ajuda a chegar mais perto do céu.

As romarias giram em torno da visitação do sagrado, do divino, do cumprimento de promessas, de votos, do agradecimento, do fazer uma prece ao santo no qual se tem devoção (SOUZA, 2018, p. 23). Nesse espaço de tempo e lugar, os romeiros fazem a experiência com o sagrado, viajando rumo ao divino, ao que é santo, partilhando tal experiência de fé com outros tantos num espírito de fraternidade, envoltos em sentimentos de unidade e solidariedade, despidos de qualquer configuração social que os distinga, pois, ali, todos são iguais, todos são romeiros. “Todos estão presentes nas peregrinações em um só propósito, rezar para o santo, cumprir promessas, pedir uma graça” (SOUZA, 2018, p. 24).

Deve-se pontuar que tais experiências já aparecem para nós nas Sagradas Escrituras, desde o Antigo Testamento, afinal, a história do Povo de Israel é a história de um povo que peregrina, desde Abraão, em busca da terra prometida (Gn 12, 1-4), até chegarmos às vivências das primeiras comunidades cristãs. No Evangelho de Lucas, por exemplo, podemos perceber Maria e José como peregrinos que observavam a Lei de Moisés, vivendo a experiência de caminhar todos os anos rumo à Jerusalém para a celebração da Páscoa (Lc. 2, 41-52). O próprio Jesus é apresentado em diversas passagens peregrinando entre a Galileia e Jerusalém, de modo que “a experiência mística de Jesus de Nazaré – que caminha para realizar plenamente a vontade de Deus Pai – é o alicerce e a luz que guia todas as peregrinações cristãs” (SILVA, 2023). Assim, “Todo aquele que se faz peregrino e romeiro tem consciência de que segue os passos do Senhor que caminhou para Jerusalém a fim de nos trazer a salvação (SILVA, 2023). É parte da condição humana peregrinar. Mas é também condição para a Igreja como tal. Em cada romeiro que se coloca a caminho está a “imagem palpável da Igreja peregrina”, como dizia São João Paulo II.

É nesse sentido que, todos os anos, sempre aos segundos domingos de novembro, a Caminhada da Seca, em Senador Pompeu (CE), reúne milhares de romeiros vindos dos mais diversos lugares sob a inspiração motivadora que surge da devoção às Almas da Barragem (as almas do povo é o santo do povo) e da luta por memória e justiça social para aqueles que sofreram e sofrem com os dilemas consequentes da ausência de políticas efetivas e eficazes de convivência no semiárido brasileiro.

Criada no ano de 1982 pelo padre italiano Albino Donatti, então pároco de Senador Pompeu, que ao chegar no município encontra a devoção popular existente em torno das Almas da Barragem, a Caminhada da Seca tornou-se um importante patrimônio imaterial, ainda que essa não tenha sido a sua primeira intenção. A romaria surge com a proposta de render homenagens às vítimas do campo de concentração do Patu, instalado no município durante a seca de 1932, e que resultou na morte de milhares de flagelados que buscavam fugir dos castigos inclementes da fome e da miséria em anos de forte estiagem.

Às quatro e meia da manhã do domingo da romaria, o povo se reúne no patamar da Igreja Matriz e parte rumo ao cemitério da barragem do Patu, cerca de três quilômetros da sede do município. As pessoas caminham trajando roupas brancas clamando por uma sociedade de fé, justiça e paz; e também levam pão e água, que simbolizam a vida e retratam o sofrimento daquele povo pela fome e pela sede. Chegando ao cemitério, acontece a celebração eucarística e, em seguida, os fiéis visitam o local para fazer as suas orações em agradecimento pelas graças alcançadas por intermédio das Almas, que são consideradas santas pelo povo.

Desde a sua gênese, além de manifestar a devoção do povo, a Caminhada também carrega uma função social, que clama pela cidadania e vida digna no semiárido brasileiro, alimentando a esperança de uma sociedade mais justa e fraterna e que sabe cuidar da criação, como sugere o tema deste ano, profunda e diretamente alinhado aos temas do Jubileu da Esperança e da Campanha da Fraternidade de 2025: “Como peregrinos da esperança, caminhando ao campo santo do sertão: pelas Santas Almas da Barragem, pela fraternidade e pelo cuidado com a criação”.

Este ano, a Caminhada da Seca chega à sua quadragésima segunda edição e acontecerá no próximo dia 10 de novembro. Nos dias que antecedem a romaria, há toda uma programação cultural gratuita que visa mobilizar os devotos e o público em geral para a participação no domingo: são espetáculos cênicos, lançamentos de livros, documentários e filmes, exposições fotográficas, visitas guiadas ao sítio histórico do Patu.

Convide os amigos e conhecidos e venham todos experienciar esse momento de fé e comunhão com todo o povo de Deus.

Antônio Ismael da Silva Lima


REFERÊNCIAS:

GIOVANAZZI, João Paulo. O santuário da seca. Senador Pompeu, [s.n.], 2012.

LIMA, Antônio Ismael da Silva. Necropolítica e precariedade nos campos de concentração da seca no Ceará. Goiânia: Phillos Academy, 2024.

PAIVA, Fabrício. Campos de concentração no Ceará. 2ª ed. São Roque: Gênio Editorial, 2020.

PEIRANO, Marisa. Rituais ontem e hoje. São Paulo: Ed. Zahar, 2003.

SILVA, Paulo Sérgio. Peregrinação e romaria: o ser humano caminha ao encontro de Deus. Diocese de Crato, 14 set. 2023. Disponível em: https://diocesedecrato.org/peregrinacao-e-romaria-o-ser-humano-caminha-ao-encontro-de-deus/. Acesso em 16 out. 2024.

SOUZA, Lidevania Ribeiro de. A festa dos pequenos: um estudo sobre a Romaria da Terra na Arquidiocese da Paraíba. 2018. 72 f. Monografia (Graduação em Antropologia) – Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2018.

TURNER, Victor. Peregrinações como processos sociais. In. ______. Dramas, campos e metáforas: ação simbólica na sociedade humana. Niterói: EDUFF, 2008.

[1] Mestre em Filosofia (UFSJ). Graduado em Filosofia (UFCA) e Pedagogia (UNINTER). Graduando em Teologia (UNINTER). Professor, cantor, escritor e produtor cultural. Catequista e vocacionado redentorista.

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