A alegria caracteriza o tempo pascal, desde as Escrituras. Nada tem de comedida e reservada. Sendo restrita aos apóstolos e discípulos, às pessoas previamente escolhidas por Deus, mesmo assim, não podia ser escondida ou ocultada, ainda que fosse na discrição da intimidade. Tratava-se da notícia objetiva, boa e alegre, a ser comunicada: o Crucificado vive.
A notícia haveria de ser dada como anúncio ou mensagem de alegria. Ela traz também, em si, o objetivo do conteúdo anunciado, pelo próprio comunicador, Jesus Ressuscitado: “Alegrai-vos!” (28, 9) Ele é, portanto, a causa de toda a alegria espiritual.
Aparecendo vivo, alegra bastante os discípulos, outrora medrosos e decepcionados. Cumpre a promessa inimaginável e inigualável: “a vossa tristeza se transformará em alegria” (Jo 16, 30). Tristeza da Paixão e Cruz, logo transformada na alegria de revê-lo, em nova e surpreende condição. Só pode se assemelhar a que esperamos: contemplá-Lo na eternidade feliz.
Nossa Senhora, há pouco lacrimosa e dolorosa aos pés da cruz, é convidada à participação: “Alegrai-vos, ó Virgem Maria, pois o Senhor ressuscitou verdadeiramente”. Dela se pode dizer, ainda mais no tempo pascal, o que se aplica-lhe no tempo natalino: “Feliz aquela que acreditou!” (Lc 1, 45) Participamos da alegria de Maria, unida aos apóstolos e às santas mulheres, que acompanhavam o Senhor. O transbordamento da nossa alegria pascal é a participação compartilhada, através da mediação de tantos que nos precederam, na mesma fé.
Lucas, na sua forma peculiar de descrever a imensa satisfação dos discípulos, afirma: “Por causa da alegria, não podiam acreditar” (Lc 24, 41). É o inacreditável da experiência. Para torná-la um ato de fé contagiante, Jesus pergunta- lhes: Tendes o que comer? Apresentaram-lhe, então, um peixe assado. Tomou-o e comeu-o diante deles (v. 41).
Os destinatários do Evangelho de Lucas são de origem grega. Para eles, a apresentação do gesto de comer se torna pedagógico. Serve de comprovação. Não se trata de espírito desencarnado, que eles poderiam tranquilamente aceitar, pois admitiam a imortalidade da alma, a separação da alma e do corpo na morte. Portanto, a possibilidade de existir espírito sem corpo.
Não se tratava tampouco de fantasma ou alucinação ou de “alma do outro mundo”, linguagem tão comum entre nós, mesmo para quem não leva muito a sério a possibilidade de tais realidades ditas sobrenaturais. Não significa igualmente que Ele vive apenas na mente ou na memória dos discípulos, como certos pensadores modernos, preconceituosos contra o sagrado, agindo na história, esvaziam o significado objetivo da ressurreição do Senhor.
Por isso, antes de comer, Jesus afirma com ênfase: “Vede minhas mãos e meus pés: Sou eu! Apalpai-me e entendei que um espírito não tem carne, nem ossos, como estais vendo que eu tenho” (v. 39). Deixa-se ver e tocar. Capacita-os a se tornarem as testemunhas oculares que o Ressuscitado é o Crucificado e que, “em seu Nome fosse proclamado o arrependimento para a remissão dos pecados a todas as nações” (v. 47-48).
O anúncio da salvação pelo perdão dos pecados, a conversão de povos e nações, a disposição dos evangelizadores para a missão com os riscos que comporta, supõe o Espírito Santo: “Eis que vos enviarei o que meu Pai prometeu”, “a força do Alto” (v. 49). Esta dinâmica pascal da ação trinitária de Deus na história é uma constante também hoje. O transbordamento da força é reconhecível, pois a presença do Espírito se manifesta na ação do Senhor Ressuscitado. Ele age, na Igreja e no mundo, através dos seus seguidores. A alegria pascal transborda em nós.