TRANSFIGURAÇÃO. DESFIGURAÇÃO

Subamos à alta montanha com Jesus, acompanhados de Pedro, Tiago e João. Ela é lugar bíblico das teofanias. Indica a revelação do mistério de Jesus. Estimula nossa elevação, ao menos da mente, para admirá-lo. Ele transfigura-se. Suas roupas são brilhantes e brancas (Mc 9, 2 s). O pavor expressa a experiência humana do sagrado. Por isso, o sentimento dos discípulos se dá nos seguintes termos: “Estavam todos com medo” (v. 6).

A visibilidade do mistério é proposta com a presença do carisma da profecia, representado pela figura de Elias, e a autoridade da Lei, pela figura de Moisés, o legislador. Ambos conversam com Jesus (v. 4). Os três expressam familiaridade entre si. Nenhum desacordo, portanto.

Importantíssima é a simbólica da nuvem. Remete-nos à experiência do êxodo com a presença de Deus a conduzir, proteger e alimentar seu povo pelo deserto. Do meio da nuvem que os encobre, Deus revela: “Este é meu Filho amado. Escutai o que ele diz! ” (v. 7). O Pai apresenta o Filho. É Palavra viva, fundamento do nosso discipulado. Descortina-se seu segredo messiânico.

 A expressão do Mestre é o silêncio messiânico até que “o Filho do homem tivesse ressuscitado dos mortos” (v. 9). Entretanto, tal silêncio fala. Diz da importância do tempo a ser concluído por Jesus mesmo. Ao seu término, após a Páscoa, será possível evangelizar. Não mais haverá silêncio ou segredo, mas o anúncio do “Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (Mc 1,1).

 Bento XVI, na homilia do segundo domingo da Quaresma de 2012, ensinava: “Agora Jesus leva consigo os três discípulos, para os ajudar a compreender que o caminho para alcançar a glória, a vereda do amor luminoso que vence as trevas, passa através do Dom total de Si, passa pelo escândalo da Cruz. E, sempre de novo, o Senhor deve levar-nos consigo também a nós, pelo menos para começarmos a compreender que este é o caminho necessário. A transfiguração é um momento antecipado de luz que nos ajuda também a nós, a fitarmos a Paixão de Jesus com o olhar da fé”. A transfiguração no itinerário quaresmal é a luz antecipada para contemplarmos na fé a glória ocultada do Desfigurado: “Não parecia ser um homem ou ter aspecto humano” (Is 52, 14).

No dia a dia, precisamos de antecipações semelhantes, pois temos muitas experiências de trevas. Por isso, Bento XVI convencia-nos: “Temos necessidade disto no nosso caminho quotidiano, muitas vezes marcado também pela escuridão do mal” (ibidem). Realmente, o Senhor nos envia com frequência consolações até por pessoas que podemos chama-las de transfiguradas. Tornam-se instrumentos de verdade, de justiça, de paz para nós e o mundo das violências. Tais pessoas são as que “descem da montanha” (v. 9), isto é, saem da área de conforto para reconstruírem vidas ultrajadas e desfiguradas.

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No Brasil de hoje, desfigurado como “pátria, mãe gentil”, há situações e áreas de extrema violência. As estatísticas impressionam. Atemorizam. Envergonham. Expõem nossa doença política, social, ética e espiritual. Enfim, desnudam-nos. Precisamos de luzes. De brasileiros e brasileiras transfigurados. Eles existem. Nós existimos. Na existência dessa gente iluminada, ilustra- se a esperança de um novo tempo para a Pátria comum.

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