Somos convidados a ir com Jesus ao deserto no retiro quaresmal. Marcos, o evangelista do ano, nos auxilia. Sintético e sucinto, afirma o suficiente: “O Espírito levou Jesus para o deserto. E ele ficou no deserto quarenta dias e aí foi tentado por satanás” (1, 12 s).
Trata-se da ocasião para recordarmos e atualizarmos nosso saber: o sentido de Jesus conduzido pelo Espírito de Deus; o deserto como lugar de provação; a duração dos quarenta dias, em ligação ao tempo quaresmal no deserto da tentação de Israel. Portanto, Ele é lido dentro da grande tradição cultural e religiosa do antigo povo de Deus.
“Vivia entre os animais selvagens e os anjos o serviam” (v. 13). Afirmação desconcertante. Faz algum sentido? Certamente, visa a lembrar que Jesus é o novo Adão, na paz paradisíaca. É até tocado pelo mundo celestial mediante o serviço dos anjos. Assim sendo, o novo Adão é celeste. Realiza, ao contrário do velho Adão, o projeto de Deus em relação ao homem e à mulher sobre a terra a caminho do paraíso celeste. Combate a favor do homem novo.
Jesus renova e pacifica a humanidade, vencendo o pecado na carne mortal. Tão árduo combate pelo paraíso em Deus é a recuperação dos bens que podem ser alcançados só pela gratuidade do seu amor salvador. Então, o paraíso terrestre perdido não significa a perda de tudo, pois Cristo ganhou o que nos falta e só Deus dá.
Nossa contemplação de Jesus, na síntese de Marcos, supõe seu evangelho integral. Porém, logo nos faz entrar, sem intervalo, na vida pública, palco da Mensagem. Por isso, de imediato Jesus encontra-se na Galileia, pregando o evangelho de Deus. Isto é que lhe interessa: narrar o Mestre a transmitir boas notícias, bem condensadas. Jesus afirma: “O tempo já se completou e o reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no evangelho! ” (v. 15).
A vantagem do evangelista é seu estilo de precisão incisiva e direta. Permite que Jesus nos faça uma espécie de ultimato para que entremos em sua luta benéfica. Urgência do tempo e do reino! Nossa liberdade, tão humana e condicionada, é desafiada à conversão e à fé.
Se o período quaresmal for vivido na proposta de Jesus, nossa adesão será compromissada, marcada pelo envolvimento imediato, pois, converter-se é voltar-se para Jesus ou retornar a Ele. Pessoas muito santas se convertem quando intensificam o comprometimento. Grandes pecadores, porém, se convertem ao retornarem, mudando de vida. Assim sendo, a conversão serve para todos e em qualquer grau de discipulado ou mesmo nenhum. Basta ser tocado.
No ultimato da graça é necessária a resposta da fé. Sem ela, não existe decisão e adesão. Ela é a conjugação vital ou existencial do verbo crer que tem a dinâmica do presente, mas também o passado e o futuro. Dentro da fé está o amor, que é sempre doação de si a ser conjugada na prática. Não vive somente de boas intenções. Por isso, crer é saber-se amado por aquele que diz: o tempo se completou ou se intensificou. Crer é também amar o evangelho inclusive suas exigências. Crer é amar o Mestre que faz o que ensina. A resposta da fé é só amar bastante.
Quanto à Campanha da Fraternidade, apresenta-nos o ultimato da superação da violência pelo amor fraterno. Não exibe fórmulas e receitas. Indica caminhos que favorecem a paz social, na justiça e na verdade.
Diante da violência, parte da sociedade brasileira grita: BASTA! A temática é integradora, embora divirjamos no modo de gritar. Apela à reconstrução do tecido social da Nação e das instituições brasileiras para que sejam justas. Tempo de ultimato! Talvez a última hora.