Abre-se o advento do Senhor, novo tempo litúrgico. Do Trito- Isaías extraímos, logo no início, a lamentação: “Ah! Se rompesses os céus e descesses” (63,19). Esta queixa, repleta de sofrido desencanto, expressa os efeitos negativos da falta de ética coletiva: “Todos nós nos tornamos imundície, e todas as nossas boas obras são como um pano sujo; murchamos todos como folhas, e nossas maldades empurram-nos como o vento” (Is 63,5).
A oração do profeta é um salmo de lamentação. Expõe as reservas de expectativa e de esperança, baseadas nas maravilhas de outrora, quando a história da salvação narrara a vinda de Deus, o libertador: “Desceste, pois, e as montanhas se derreteram diante de ti. Nunca se ouviu dizer nem chegou aos ouvidos de ninguém, jamais olhos viram que um Deus, exceto tu, tenha feito tanto pelos que nele esperam” (64,2). O olhar para passado projeta o futuro novo.
O profeta intercede pelos seus: “Por amor de teus servos, das tribos de tua herança, volta atrás” (63,17). Renova, então, a memória viva de Deus: “Senhor, tu és nosso pai, nosso redentor; eterno é o teu nome” (63,16); “Tu és nosso pai, nós somos barro; tu nosso oleiro, e nós todos, obra de tuas mãos” (64,7). Para o homem de Deus, não há outra saída, senão a de buscar o Senhor, origem da vida e da aliança da Lei, a norma do direito e da justiça.
A atmosfera do advento nos põe diante da situação real. Coloca-nos diante dos males pessoais e sociais, produto de opções malfeitas. Impele-nos a clamar pela vinda de Deus que outrora se mostrou libertador, redentor, salvador. Tal atitude de oração suplicante renova expectativas em quem crê. Cria efeitos positivos ao redor de si. Quem deseja, ora, confia, espera, faz.
O cristianismo professa a vinda do Filho de Deus, desde a encarnação e o natal, sua vida pública até a Paixão e Páscoa da ressurreição. Entretanto, o tempo da Igreja não é, nunca foi ou será paradisíaco, mesmo com a promessa da presença de Jesus entre nós e a unção do Espírito. Aliás, Jesus advertiu para a atitude de vigilância, quando disse: “cuidado” (Mc 13,33).
A advertência do Mestre vale para preparar a segunda vinda, é verdade. Porém, também vale para estarmos atentos a suas pequenas ou grandes vindas no dia a dia. De fato, prepara-se a segunda vinda, vivendo a atualidade da existência.
Em outras palavras, prepara-se o futuro –até o do retorno do Senhor em glória- vivendo bem e da melhor forma possível o tempo presente. Há, pois, um apelo ao compromisso dentro da temática do advento, a incluir a ética do viver responsável.
A responsabilidade pessoal é com a sociedade, as pessoas, a Igreja e a natureza em face das exigências de conservação do meio-ambiente. Existe, pois, um viés político no cuidado. Faz superar a utopia do sonho vazio, ainda que bom, semelhante a quem sonha acordado e nada faz. Trata-se de mergulhar fundo na responsabilidade de ações construtivas e transformadoras semelhante àquele que “fica vigiando” à espera atenta do “dono da casa que vem” (v. 34.35).
O cuidado diante do desconhecimento do momento do retorno (13, 33) é mais do que simples atenção. A vigilância é ativa, operosa. Quanto mais o tempo for incerto, a vigilância é ativada. Quanto aos pessimistas, eles querem nos roubar a vigilância, pois sabem que ela carrega em si a expectativa e a esperança do por vir, o cuidado da geração futura e pelo retorno de Jesus.
Enfim, o advento é mais do que um tempo de quatro semanas incompletas. Constitui todo o vasto período da Igreja até o retorno do seu Senhor. O tempo litúrgico, porém, aproveitando das expectativas natalinas, favorece nosso mergulho na advertência do Mestre: Cuidai! Vigiai!